- Biografia do músico e ativista nigeriano Fela Kuti ganha edição nacional
Carlos Albuquerque
RIO - O nome de batismo era Olufela Olusegun Oludotun Ransome-Kuti. Mas para os amigos, as 27 mulheres e os muitos inimigos, ele era apenas Fela Kuti. Maior nome da música africana, criador do afrobeat, visionário e transgressor, amado e perseguido até a morte, por Aids, em 1997, aos 58 anos, ele viveu uma história de excessos, que se refletia não apenas em suas hipnóticas canções de mais de 20 minutos, mas também na relação com o público e as autoridades do seu país, a Nigéria.
Essa trajetória, que poderia render em Hollywood um épico sobre poder, racismo, sexo, violência e espiritualidade, gerou, em vez disso, uma fantástica biografia - "This bitch of life", escrita pelo cientista político e escritor cubano Carlos Moore -, um musical de sucesso na Broadway - "Fela!", produzido pelos astros Jay Z e Will Smith - , e um processo entre eles. Nessa ordem de entrada em cena.
- O que acontece é que fizeram o musical inspirado no meu livro e só quando ele ficou pronto é que vieram entrar em contato comigo, pedindo autorização - conta Moore, radicado há dez anos em Salvador, na Bahia, onde supervisiona a edição em português do livro, que chega às lojas em junho, com o título "Esta puta vida" (Editora Nandyala).
- Acho que pensaram que eu estava morto ou esquecido em algum lugar. E, claro, não concordei com a forma como isso foi conduzido, nem aceitei o dinheiro que me ofereceram para um acordo forçado.
Com prefácio de Gilberto Gil, "Esta puta vida" narra a trajetória de Fela na primeira pessoa, pelas suas próprias palavras. Isso foi o resultado das mais de 15 horas de entrevistas e conversas entre o autor e o músico, tanto na República Kalakuta - a desafiadora comunidade alternativa criada por ele em Lagos, onde vivia com seus amigos, músicos e esposas - como em Paris, onde os dois se encontraram durante uma excursão de Fela, em 1981.
- Conheci Fela em 1974, quando fui convidado para organizar um festival de música, que teria Stevie Wonder como atração - lembra Moore. - Desde então, cobrava dele essa biografia, para que sua trajetória fosse conhecida. Mas ele sempre foi relutante. Dizia que só queria falar para o povo africano, que não tinha interesse no Ocidente. Ele acreditava que sua música falava por ele. Era muito oral, na tradição do continente, e prezava apenas a mensagem da boca para o ouvido. Nada mais.
Duelos constantes com as autoridades:
No começo de 1981, porém, quando morava e lecionava em Paris, Moore foi surpreendido por telefonema de Fela, dizendo que estava, finalmente, pronto para falar.
- Ele me disse para pegar o próximo avião e encontrá-lo em Lagos. Foi o que fiz. Quando cheguei lá, encontrei Fela completamente deprimido com a morte da mãe, a ativista Funmilayo Ransome-Kuti, que tinha sido jogada da janela durante uma invasão da Kalakuta pela polícia, algum tempo antes. Ele achava, com razão, que os militares, que já o tinham aprisionado várias vezes, queriam matá-lo e estava se tornando obcecado com isso. Segundo ele, foi a própria Funmilayo quem apareceu em um sonho e disse para ele tornar pública a sua história.
Moore passou, então, semanas com Fela, que tinha se tornado ainda mais desafiador das autoridades, tendo reconstruído a comunidade, dessa vez em pleno gueto, além de ter tentado se candidatar à presidência do país. No local, teve contato direto com o mundo à parte em que o músico vivia.
- Diferente da primeira Kalakuta, que ficava numa área remota, a nova ficava no centro do gueto, como se fosse dentro de uma favela, de modo que se os militares tentassem uma nova invasão, teriam que passar pelo meio do povo, que idolatrava Fela - explica Moore. - Ali, ele criou um país à parte, cujas leis eram feitas por ele. Fela era um idealista, mas era ingênuo também. Acreditava que os espíritos iam ajudar o povo africano a se levantar contra os governos corruptos. Só não conseguia dizer como isso ia acontecer de fato. No lugar, ele também guardava todo o seu dinheiro, já que não queria contribuir para um governo que considerava, com razão, corrupto e autoritário. Aliás, um dos motivos dos ataques a ele feitos pelos militares era roubá-lo.
As mulheres de Fela - que renderam um capítulo à parte na biografia, intitulado "Minhas rainhas", foram entrevistadas pelo autor na segunda bateria de entrevistas com o músico, feitas em Paris, alguns meses depois.
- Todas elas ganhavam um salário e trabalhavam dentro da comunidade. Quando havia uma briga entre suas mulheres, ele mesmo fazia um julgamento e decidia quem era a culpada. Mas naquela época, ele já estava totalmente paranóico e com mania de perseguição. Não queria comer, nem beber nada no hotel em Paris e dizia que estava ouvindo vozes. Eu falei para ele procurar ajuda, mas Fela não me deu atenção.
Como recorda Moore, Fela contraiu Aids em 1986, durante um dos seus períodos na prisão, ao receber uma visita "íntima".
- Ele pegou Aids quando quase ninguém sabia o que era isso, principalmente na África. Como era forte, passou anos sem apresentar sintomas. Quando eles finalmente surgiram, em 1995, ele desprezou o atendimento médico, já que acreditava que os espíritos iam protegê-lo. Fela tinha convicção de que era imortal e ver como sua obra entrou para a História quase nos faz acreditar nisso - afirma o escritor. - Ironicamente, quem anunciou sua morte ao público foi o seu próprio irmão mais velho, Olikoye Ransome-Kuti, que havia se tornado um ativista contra a Aids na África.
Extraído de O Globo
Livro traz relatos da vida de Fela Kuti, pai do afrobeat
Marcelo de Trói - Especial para o BOM DIA
O nigeriano Fela Anikulapo-Kuti (1938-1997) foi mais que um gênio criador da música contemporânea, tornou-se uma das personalidades mais polêmicas do século 20. Com a biografia “Fela: Esta Vida Puta” (R$ 35, 349 páginas – Editora Nandyala), escrita pelo amigo do artista, o historiador cubano radicado em Salvador Carlos Moore, os brasileiros finalmente terão a oportunidade de conhecer o pensamento do pai do afrobeat.
O gênero criado pelo nigeriano, a partir dos anos 1960, pode ser definido como o cruzamento entre funk, jazz, salsa, calipso, juju, highlife, e diversos padrões percussivos africanos.
Carlos Moore acha oportuno o lançamento agora no Brasil, onde Fela começa a ser popularizado.”
James Brown dizia que era padrinho do soul, mas Fela é o pai do afrobeat. Criar um outro gênero musical é coisa de gênio. Bob Marley não inventou um gênero, Fela, sim”, defende.
É no prefácio e no epílogo que Moore analisa a vida de Fela Kuti e seu contexto histórico. Grande parte do livro é em primeira pessoa, sendo a própria fala do artista. “Intuitiva e espontânea, desconexa e contraditória, a ideologia de Fela era poderosa e original o bastante para atrair uma massa crescente de jovens urbanos excluídos”, escreve.
Moore conheceu o músico em 1974 e sempre insistia para que Fela registrasse sua vida em livro. O cantor só concordou em escrevê-la em 1981. A biografia é fruto de 15 horas de conversas entre o autor e o músico em Kalakuta — comuna na Nigéria onde Fela criou uma República e vivia com amigos, músicos e suas 27 mulheres — e também em Paris, onde se encontraram em 1981. Quando voltou dos EUA, em 1969, depois de entrar em contato com os escritos de Malcolm X, que Fela Kuti deixou de ser apenas um excelente músico para se tornar um rebelde.
Ele abandonou uma vida de conforto e se mudou para uma das favelas mais miseráveis da Nigéria. Defendia abertamente que os negros africanos deviam abandonar a religião cristã branca para voltarem às raízes da religião milenar africana. Estava no centro das atenções por praticar a não-monogamia.
Quem escutar uma das 133 canções criadas por Fela Kuti, e apenas uma parte delas está registrada nos 77 álbuns lançados em pouco mais de 20 anos de carreira, notará o jogo vocal de perguntas, respostas e repetições de influência yourubá, prática comum nas liturgias dos terreiros da religião afro-brasileira.
Algumas dessas músicas podem ter até mais de 20 minutos duração. Fela não se enquadrava ao padrão da indústria fonográfica, não atendia aos pedidos para que moderasse o tom de suas letras, nitidamente políticas.
Estão na biografia, detalhes de sua vida pessoal, relatos da infância, a relação com sua mãe, militante feminista, espancada pelo governo nigeriano em uma das muitas invasões à Kalakuta. O livro também traz depoimento de nomes como Lázaro Ramos, Stevie Wonder e prefácio do cantor brasileiro Gilberto Gil que conheceu Fela em 1977. “Um reconhecimento, propiciado pela análise acurada e a tomada em perspectiva intelectual mais ampla, daquilo que foi Fela e a sua obra. Este livro está entre os trabalhos que buscam cumprir essa missão”, escreve Gil.
Fela Kuti morreu falido e abandonado. A execução de suas músicas foi vetada nas rádios pelo governo nigeriano. “Seu complexo comunal foi destruído e seus bens dilapidados pelas incessantes batidas policiais. Foi impedido de participar de turnês. Toda esta complexa e desfavorável conjuntura manteve Fela à margem”, analisa Moore.
“Fela Kuti foi certamente uma das vozes mais marcantes de protesto libertário no mundo. Esta voz política, e a música que é inseparável dela, são nosso legado comum no século 21”, conclui Moore. Anikulapo, o segundo nome de Fela, significa aquele que tem controle sobre a morte. Por ser assim, 14 anos depois de sua passagem para o Orun (mundo espiritual em yorubá), com o lançamento de sua biografia, Fela está longe de estar morto e esquecido.
Serviço /“Fela: Esta Vida Puta”, Carlos Moore (prefácio de Gilberto Gil).
Em São Paulo, o lançamento será na Matilha Cultural - Rua Rêgo Freitas, 542
sábado, 25 de junho, a partir das 18h30
Informações: (31) 3281-5894, (31) 9119-5755; nandyalaeditora@gmail.com
Extraído de Rede Bom Dia
LANÇAMENTOS NACIONAIS
01 a 30 de junho de 2011
João Pessoa - 01/06
Recife - 02/06
Salvador - 03/06
Rio de Janeiro - 09 e 11/06
Belo Horizonte - 14/06
São Paulo - 25/06
Porto Alegre - 29/06
Para saber sobre o lançamento em sua Cidade, entre em contato: atendimento@nandyalalivros.com.br
Tel.: 31-3281-5894
Web Site - www.leliagonzalez.org.br
Ações Afirmativas - http://afirmativas.blogspot.com
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