sábado, 28 de maio de 2016

Lutamos contra a cultura do estupro

O Movimento Negro Unificado/RS vem de público demonstrar veementemente sua indignação pelo estupro coletivo ocorrido no RJ. Esse fato foi noticiado repetidamente por toda a mídia brasileira e de vários outros Países. Barbárie que traz à tona o machismo e sexismo existentes. A cultura de que mulher é objeto. Diminuída em seus valores, seu corpo e sua alma. Lutaremos contra a cultura do estupro e de todas as formas de violência contra a mulher. Exigimos justiça para esse e todos os outros casos. Sabemos que uma mulher é vítima de violência a cada seis minutos e a justiça nem sempre se mobiliza para executar as penas que devem receber os violentadores. o machismo faz com que digam que a vítima é culpada,não devia estar lá, ou o tipo de roupa que usava. Frente à certeza de que tudo podem contra uma mulher, os covardes criminosos agem, inclusive divulgando em redes sociais. A impunidade deve parar. Juntas, todas as mulheres, estaremos na luta, mais uma vez, por cadeia aos monstros violentadores.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Navalha na carne... dos pobres

SEX, 29/04/2016 - 07:11 Navalha na carne... dos pobres por Ana Fonseca Uma tragédia se avizinha e voa rasante sobre as casas e as vidas de milhões de brasileiras e brasileiros. Já chegam à praça as primeiras informações sobre o que poderia vir a ser o governo Temer para a área social, notadamente no Programa Bolsa Família (BF). Veiculada em matéria publicada hoje (28/04) no jornal O Estado de São Paulo, e em entrevista recente (25/04) do ex-pesquisador do IPEA Ricardo Paes de Barros, a proposta é que o BF tenha foco apenas nos 5% mais pobres, sem deixar claro se o percentual é relativo à população brasileira total ou às famílias beneficiárias do programa. Vejamos as consequências, num ou noutro cenário. Tomando como referência os dados oficiais do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), referentes a março deste ano, o BF transfere renda para 13,8 milhões de famílias. Se o tal foco nos 5% mais pobres for relativo a todas as famílias brasileiras (64,7 milhões/PNAD/IBGE) significa que apenas 3,2 milhões permaneceriam no programa. Uma exclusão, portanto, de 10,6 milhões de famílias. O segundo cenário é ainda mais perverso. Se o tal foco nos 5% mais pobres for relativo ao total de famílias beneficiárias do BF (13,8 milhões), restaria apenas 0,7 milhão de famílias no programa. A exclusão saltaria para 13,2 milhões! Essas primeiras informações disponíveis trazem uma única certeza: o BF que contribuiu para retirar da miséria dezenas de milhões de brasileiros(as), é celebrado no mundo inteiro e referência para dezenas de países, já não será mais um programa de inclusão, mas de exclusão. Na entrevista, PB, como é conhecido o pesquisador, defende que o BF está “inchado”. O método para “desinchar” é o seguinte: “o cara tem um certo nível educacional, mora numa casa boa e num lugar com qualidade de vida”, então não é pobre e deve ser cortado do programa, conclui. Certamente ele sabe que renda é um conceito econômico que trata de fluxo, já móveis, utensílios e características do domicílio são patrimônio, que é estoque. Essa confusão, proposital ou não, descarta a lógica da proteção permanente, pois basta que o cidadão tenha acumulado uns eletrodomésticos e tenha uma casa do Minha Casa, Minha Vida, para virar "classe média". Portanto, “toca a tua vida aí”, diz PB. Se o provedor(a) de um grupo familiar ficou sem renda (fluxo) do trabalho, mas ele conta com um certo patrimônio (TV, computador, aparelho de som) que é o estoque, terá de se desfazer desses bens para suprir a falta de renda? Essa é a singela diferença entre renda e estoque. A palavra-chave para “desinchar” é eficiência. Nenhuma palavra sobre taxação de fortunas, impostos sobre heranças, tributo progressivo. A suposta eficiência é dirigida aos pobres e PB deixa muito claro quem irá pagar o pato num governo Temer: “tem gente que vai sofrer”. A eficiência é alocativa, ou seja, o governo gasta com quem "não precisa", embora destine ao BF apenas 0,5% do PIB e apesar de cada R$1 investido no programa adicionar R$1,78 ao PIB, segundo o IPEA. O empenho nos cortes faz esquecer que 3,5 milhões de famílias já saíram do BF, resultado de rotinas de revisão/averiguação cadastral e de desligamentos voluntários. Em nenhum momento o entrevistado menciona a população rural, justamente onde se concentra uma parcela significativa da população mais pobre, tanto em termos monetários quanto multidimensionais. Irão acabar com o PRONAF e o MDA? A inclusão produtiva rural será extinta? A ideia é que os jovens rurais consigam um trabalho formal? Nada de agricultura familiar? A intenção é estimular a emigração? A abordagem sobre o PRONATEC beira ao delírio. Barros diz que não podem ser ofertados cursos “às cegas”. Por isso faz a inacreditável proposta de entregar um cartão a quem procura emprego para, após encontrar uma vaga, fazer o curso apropriado. Ele desconhece a existência de mesas de pactuação locais, com os agentes econômicos, para identificação das demandas do mercado de trabalho e oferta dos cursos. Serei repetitiva: Uma tragédia se avizinha e voa rasante sobre as casas e as vidas de milhões de brasileiras e brasileiros. A América Latina e o Caribe (ALC) já passaram por uma experiência semelhante. Na década de 1980 e 1990, a maioria dos países da região enfrentou uma crise econômica severa que se manifestou na redução do Produto Interno Bruto e em taxa de inflação e desvalorização sem precedentes. A receita aplicada foi chamada de “reformas estruturais˜. O resultado foi que a população pobre de 18 países da ALC saltou de 40,5% para 44%, entre 1980 e 2000, e a extrema pobreza se manteve incólume: 18,6%. As reformas significaram privatização de empresas e serviços públicos, recortes no emprego público, alterações substantivas na previdência social, nos sistemas de saúde etc. É por ponte semelhante que querem jogar a todos e a nossos direitos conquistados. É o caminho de volta para o Mapa da Fome. Paes de Barros esteve ausente da formulação do BF, seja no governo de transição em novembro e dezembro de 2002, seja na Câmara de Políticas Sociais, instalada em abril de 2003, ou na equipe encarregada de apresentar a proposta de unificação que deu origem ao BF. Mesmo assim, o entrevistado sempre foi – reiteradamente – um entusiasta que não poupou elogios ao programa. Por que razões as fortes críticas de “inchaço”, agora? Indagado sobre contatos recentes com Moreira Franco, homem forte do vice-presidente Michel Temer, PB foi evasivo: “não estou muito conectado com o mundo”. Não é verdade, mas é gracioso. ANA FONSECA é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp. Foi Secretária-Executiva do Programa Bolsa Família (2003) e Secretária Extraordinária do Plano Brasil Sem Miséria (2011).

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Boaventura: “chegou a hora de uma nova esquerda”

Publicado por Boaventura de Sousa Santos 929500  Golpe no Brasil revela revanchismo das elites – mas foi possível porque governo acomodou-se a velhos projetos e métodos. Já há condições para Outra Política Boaventura de Sousa Santos, entrevistado por Diego León Pérez e Gabriel Delacoste, em La Diaria | Tradução: Antonio Martins | Imagem: Liliana Porter “A autocrítica tem de ser minha também. Quantas vezes jantei com Rafael Correa, presidente do Equador e ao final cantei canções do Che Guevara, como se a revolução estivesse próxima”? É 16 de abril, em Montevidéu. No meio de entrevista que concede a dois jovens pesquisadores uruguaios, sobre a crise política no Brasil, o sociólogo português Boaventura Santos encontra espaço para reminiscências pessoais. Desde o início do século, ele foi talvez o intelectual mais próximo do conjunto dos processos de mudança que mudaram os rumos da América do Sul e agora estão sob ameaça conservadora. Ligou-se tanto aos governos quanto aos movimentos transformadores. Participou da construção teórica e prática dos Fóruns Sociais Mundiais, no Brasil. Envolveu-se com as Constituintes da Bolívia e Equador. Ligou-se a processos de reflexão no Uruguai, Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Venezuela. Como não ouvi-lo agora? Boaventura abre a entrevista relembrando uma crítica que ele próprio fez, inúmeras vezes, enquanto o processo sul-americano avançava. Com algumas exceções – talvez a Bolívia seja a mais notável –, as mudanças estruturais foram deixadas de lado. Optou-se pelo caminho mais fácil: aproveitar o “boom” das commodities e usar parte dos ganhos para alguma redistribuição de riquezas – tímida, porém muito relevante, porque inédita. Permitiu-se que as oligarquias mantivessem riqueza e acumulassem poder. Agora, elas dão o troco. A partir de dado momento, porém, ele torna-se mais incisivo. Faltaram reformas estruturais, é verdade – e o Brasil é certamente o caso mais grave. Mas para uma correção de rumos não basta um “giro à esquerda”: prova disso é o escasso apoio que têm, no continente, os partidos que se julgam mais revolucionários. É preciso, também, rever as formas de política e, para tanto, compreender o papel limitado da própria teoria clássica – iluminista e eurocêntrica. Boaventura parece fascinado com as lutas que brotam de baixo e transformam o quotidiano. Os indígenas que já não se sentem inferiores na Bolívia, Equador ou Venezuela – mas injustiçados. As meninas e meninos do Brasil, que ocupam escolas públicas ou fazem do rap e do funk formas de re-existência contra a sociedade branca que quer conformá-los a um emprego, uma família, um carro e um caixote na periferia remota. São eles que comovem o sociólogo: “Talvez agora tenhamos a chave para as epistemologias do Sul: ir mais devagar, com menos confiança de que as ideias novas criem realidades novas. Não, as realidades novas decantam de algumas ideias novas, mas não é você que cria as realidades novas, são as pessoas da rua, na luta, são eles que estão realmente inovando – e não você, com a teoria”, diz. Sua fala transpira uma esperança preocupada. “É hora de começar de novo”, frisa Boaventura. Sabemos o que não fazer – e é algo. Para a retomada, não temos o roteiro, mas o faro. É hora de resgatar e reinventar a democracia. Ela só existirá se – como frisa Guilherme Boulos, do MTST – tiver a cara do asfalto, não a dos carpetes. Não se trata mais de dar conselhos, de participar de conferências que o poder pode tranquilamente descartar. A criação e a implementação das políticas redistributivas têm de ser assumidas pelos movimentos – e retirada, portanto, dos que pretendem domesticá-las. Quantas formas de democracia direta inventaremos? Ninguém sabe a resposta. Dependerá de nossa capacidade de inventar presentes e futuros cuja validade vá além de nossa teoria… Venceremos? Nunca se sabe de antemão. “Quando a direita vem, vem revanchista”, lembra o sociólogo. Na Argentina, liquidaram-se em poucos meses conquistas de doze anos. No Brasil, onde está em curso um golpe, é possível que os que chegaram ao poder sem voto, e em meio à crise, lancem caça às bruxas, para brandir um bode expiatório enquanto eliminam direitos e restauram privilégios. São os riscos do atrevimento de mudar o mundo, de inconformar-se, de pensar que nada está decidido de antemão. Alguns indagarão: valerá a pena? Melhor seria perguntar: há outra alternativa? Para refletir a respeito, fique com a primeira parte da entrevista de Boaventura. A segunda, que trata especificamente do papel das universidades, sairá em mais alguns dias. (A.M.)  Boaventura de Sousa Santos Como você vê a situação no Brasil, após o início do julgumento político de Dilma Rousseff? No momento em que falamos, não sabemos o que vai ocorrer, mas de qualquer maneira penso que haverá um período bastante turbulento, politicamente. O impeachment é claramente um ato que configura golpe parlamentar, sobretudo porque não se demonstrou a suposta responsabilidade em crimes que o justificassem. Mas também por razões políticas, à medida em que talvez a presidente Dilma seja a política menos corrupta da América Latina. Isso é grave para a democracia no Brasil e para o continente. Se o impeachment se consumar, haverá algumas consequências. Obviamente, a polarização social no Brasil é muito alta, neste momento, e penso que nem os movimentos sociais, nem os cidadãos, nem as classes populares aceitarão esta ato, sobretudo porque dele resultaria um governo liderado por um partido, o PMDB, conhecido por ser um dos mais corruptos da história do Brasil. E, por outro lado, porque provavelmente o fenômeno mais importante por trás de tudo isso é a Operação Lava jato, ou seja, a grande investigação contra a corrupção, que talvez seja paralisada, já que, segundo todos os indícios que temos, há muita gente envolvida na corrupção, que pertence precisamente a este partido que estará no poder. Tudo isso cria um problema de legitimidade democrática difícil de manejar e cujas consequências são difíceis de prever. Mas o impacto do que irá ocorrer será muito importante para toda a região. Se o impeachment passar, será uma afirmação de que as democracias que existem no continente são facilmente manipuláveis; e de que se alguém ganha as eleições e obtém, portanto, o direito de governar, mas importantes forças antidemocráticas decidem que não deve governar, há maneiras de obter tal resultado, por uma conjunção de meios. Entre eles, um Poder Judiciário conservador, a serviço destas forças antidemocráticas. Além de forças externas, que neste caso penso serem as do imperialismo estadunidense. Realmente não estão interessadas em que continue, no Brasil, um processo que, se não é anticapitalista (Dilma não é anticapitalista; obviamente, há muitas críticas a seu governo, por não cumprir o programa que se propôs a realizar quando eleita) é pósneoliberal, no sentido de que tem empresas públicas importantes nacionalizadas, como a Petrobras, e recursos naturais importantes fora do mercado internacional. O próprio PT, antes do processo de impeachment, já executava uma política baseada em exportações extrativistas. Como enxergar o cenário, quando muitas das forças que estão conspirando foram fortalecidas pelo próprio governo? É verdade que, ao longo destes anos, os governos populares latinoamericanos, muitos deles saídos de movimentos sociais, cometeram diversos erros. Quais foram, no caso do Brasil. Em minha opinião – e isso também pode se aplicar para outros governos, como o de Cristina Kirchner, na Argentina – aproveitaram uma conjuntura excepcional, o chamado boom das commodities. Devido ao impulso do desenvolvimento da China, os preços das matérias-primas subiram, e permitiram lucros importante para estes países. Os governos populares decidiram, então, aprofundar o modelo de desenvolvimento extrativista, com objetivo de separar parte da renda resultante desta alta para fazer certa redistribuição social. Ou seja, não mudaram o modelo econômico. Permitiram que os ricos e as oligarquias continuassem enriquecendo. Os bancos, por exemplo, nunca ganharam tanto dinheiro no Brasil como nos tempos de Lula. Mas como os preços eram altos, sobrava um excedente significativo para fazer uma redistribuição sem precedentes. Por meio de mecanismos como bolsas famílias e outras políticas sociais, foi possível que 45 milhões de pessoas saíssem da pobreza, o que é um fato político muito importante. Mas não era socialismo, porque dependia totalmente dos preços internacionais, em cuja formação o Brasil não incide de nenhuma maneira. Por isso, por aceitar este modelo de desenvolvimento, aceitaram também o modelo político que estava por trás, e que vinha de muito atrás. Este modelo político é colonial. Há uma continuidade enorme com o modelo colonial, que havia sido interrompido em alguns países pela industrialização e a substituição de importações. Durante estes governos populares, não houve mudanças no sistema político, nem no sistema dos meios de comunicação, nem no sistema tributário – e isso acabou por fazer com que os partidos no governo terminassem aprisionados no mesmo processo que servia às oligarquias e às direitas tradicionais. Elas sempre se serviram da corrupção, da mídia e de ilegalidades para consolidar seu poder. E houve aqui uma tentação: talvez, se se deixasse que os ricos fossem cada vez mais ricos, eles permitiriam que o país caminhasse lentamente, em termos sociais. O problema é que o boom das commodities durou até a baixa dos preços, com a desaceleração da China. Desde então, deixou de haver dinheiro para poder garantir as políticas públicas. No momento em que o dinheiro escasseou, que poderia fazer o governo? Só havia uma solução real, e era uma política tributária distinta: que os ricos pagassem mais impostos. Mas, como o sistema político não mudou, isso está totalmente proibido. E portanto, o governo começou a fazer duas coisas: por um lado, apoiar ainda mais o agronegócio, a fronteira agrícola, a fronteira mineral, o que contribuiu para a expulsão de populações, a contaminação da água, a crise ambiental, em estranhas cumplicidades com exércitos privados, com organizações para-militares que matam indígenas e líderes camponeses em todo o continente, enquanto os governos fazem vistas grossas. O ciclo se esgotou. Era uma maneria de governar como sempre se governou na América Latina, mais a favor das classes dominantes que das classes populares – mas num contexto favorável, deixando uma parte significativa da riqueza para a redistribuição social. Por isso, a crise que vive o Brasil também se repete no Equador, na Argentina – onde uma direita muito revanchista está destruindo, em poucos meses, todos os avanços sociais que haviam sido conquistados nos últimos 12 anos. E por isso, é preciso começar de novo. Os governos progressistas não facilitaram demais para a direita? Agora, as forças conservadoras voltarão ao poder e encontrarão uma polícia militarizada e poderosa, em termos materiais e legais, com leis mais repressivas. São mudanças que teriam custado muito mais à direita. Compreendo a pergunta. Os governos progressistas têm muitos aspectos de continuidade com os anteriores, por isso as rupturas podem parecer mais drásticas do que são na realidade. Realmente, os líderes indígenas continuaram a ser assassinados no Brasil durantes os governos populares. Agora – e aqui, há uma divisão no pensamento crítico latinoamericano – no qual estou por adoção, porque não sou latinoamericano. Não vou ao ponto de considerar que estes governos sejam reacionários. Alguns colegas consideram que Evo Morales é um reacionário. Eu não sou capaz e te digo “não sou capaz” porque é um limite de minha inteligência, de minha capacidade analítica. Mas é verdade que o progressismo foi feito a partir de formas antigas de política e agora os resultados estão aí. Facilitou-se, de fato, a entrada da direita. Foi um grande erro cometido por algumas esquerdas do continente. Um dos grandes intelectuais deste continente, Álvaro Garcia Linera, disse muitas vezes, depois dos resultados das últimas eleições na Bolívia, que se a direita voltasse ao poder teria de reconhecer que o centro da política deslocou-se à esquerda. Isso porque as forças de esquerda conseguiram muitos avanços, que seria possível reduzir – sempre a partir de um centro localizado mais à esquerda que antes — mas não destruir. Como se sabe, não foi isso que se passou. Veja [o presidente da Argentina, Maurício] Macri. Em três semanas, acabou com quase tudo o que havia sido feito em doze anos. A direita, quando vem, vem revanchista. Vem com a decisão de eliminar tudo o que foi alcançado durante estes anos, com a ideia de que, por um lado, é insustentável e, por outro lado, as classes populares não merecem. São privilégios. As classes populares tiveram privilégios demais, é preciso cortá-los. E a crise é a desculpa. Este foi o erro que os governos populares cometeram: não transformaram o modelo econômico, nem o modelo de desenvolvimento, nem o sistema político. Talvez tenha sido vítimas de seu entusiasmo. Preciso dizer que, no início, estava 100% com estes processos. Participei da redação das constituintes da Bolívia e Equador. Quantas vezes jantei na casa do presidente equatoriano, Rafael Correa, e acabei cantando canções revolucionárias, do Che Guevara, como se a revolução estivesse próxima? Não podia imaginar que, anos depois, a alternativa é que, se não há invstimentos norte-americanos de despojo, há a China, que cobra da mesma maneira e destrói os territórios da mesma maneira. Então, muitos intelectuais temos que fazer uma autocrítica também, e ser menos arrogantes. Talvez agora tenhamos a chave para as epistemologias do Sul: ir mais devagar, com menos confiança de que as ideias novas criem realidades novas. Não, as realidades novas decantam de algumas ideias novas, mas não é você que cria as realidades novas, são as pessoas da rua, na luta, são eles que estão realmente inovando – e não você, com a teoria. Você imagina, então, um cenário em que as coisas voltam à normalidade; os Estados Unidos olha de novo para a América Latina, os preços das commodities voltam a baixar e o ciclo termina? Que ciclo pode vir agora? Em que tipo de coisas seria preciso começar a pensar, em relação ao que está terminando? Penso que não estamos regressando ao normal; quando muito, teremos uma nova normalidade bastante turbulenta. Será uma democracia de fachada, mas cada vez mais esvaziada; já não uma democracia de baixa intensidade, mas de baixíssima intensidade. Não podemos pensar isso como normalidade, mas como o resultado de um fracasso histórico que é preciso analisar, de modo a encontrar as forças que tornem possível um novo ciclo, mais duradouro, menos frágil, em que as conquistas seja menos reversíveis. Não sabemos em que condições isso poderá ocorrer, mas com alguma turbulência, implicará uma reforma política, que talvez seja exigida nas ruas, revindicada pelos movimentos sociais, pelas organizações sociais. Talvez necessitemos de outro ciclo constituinte. Uma nova Assembleia Constituinte, digamos, que promova uma reforma política forte, para que esta democracia possa defender-se das forças capitalistas que a sequestraram. Isso exigirá, por exemplo, que se aceite de uma vez por todas que, nas condições atuais do mundo, não há alternativa socialista na agenda política, não existe a possibilidade de uma tomada de poder revolucionária, como em outros tempos. A democracia é o único instrumento de luta que nos resta. Esta democracia precisa ser reinventada, não pode ser apenas democracia representativa. O nó central do processo político é que será necessário articular democracia participativa com democracia representataiva. Que quero dizer? Que os partidos políticos deixarão de ter o monopólio da representação política. As associações, os movimentos sociais, reunidos em assembleias, organizando os bairros, no campo, na cidade, terão de encontrar formas de participar não só no plano da consulta mas também da implementação, em algumas ou em muitas das políticas públicas – conselhos populares de Educação, de Saúde, de Infraestrutura. Ou seja, uma forma de que os cidadãos, além de eleger representantes, possam tomar algumas decisões por si mesmos. É preciso inventar novas formas políticas, que permitam esta articulação entre democracia representativa e democracia participativa. Para que seja eficaz, será necessário que esteja presente nos próprios partidos. É preciso refundar os partidos existentes ou inventar outros partidos de esquerda, construídos com uma lógica básica distinta, e esta lógica precisa incluir a democracia participativa desde o início. Temos na Espanha o Podemos, que representa esta nova vontade política de criar o que chamamos partidos-movimentos. Articulações várias e distintas entre círculos de cidadãos, assembleias de cidadãos que deliberam sobre as políticas do partido, que escolhem os candidatos e tomam decisões, assumidas pelas lideranças partidárias. É uma maneira totalmente distinta de fazer política, e além disso é a única capaz de impedir que o dinheiro domine as decisões político-partidárias e torne a corrupção endêmica. Há um campo muito grande para a criatividade democrática. Por isso, luto, em meu trabalho, no que chamo de epistemologias do Sul, no sentido de criar também uma reforma no conhecimento. Porque não penso que seja possível justiça social global sem justiça cognitiva global. Ou seja, uma democracia entre diferentes formas de conhecimento. Na raiz de todo o sisema político está o conhecimento acadêmico que controla as universidades e que é eurocêntrico, com a ciência política, a sociologia e a antropologia. São os instrumentos que produziram as políticas e as formas de representação política que temos. Isso precisa ser transformado, aceitando que há outras maneiras de conhecer, que a representação do mundo é muito mais ampla que a representação ocidental do mundo. Há outras formas de transformação social que talvez não possam ser chamadas de socialismo nem de comunismo. Vão ser chamadas de respeito, dignidade, proteção dos territórios, direitos do corpo das mulheres. A isso, chamo uma ecologia de saberes, que implica também uma reforma na universidade. Se você me perguntar como definir este novo ciclo em termos progressistas (porque também pode surgir uma nova barbárie, ainda pior), responderei que precisa ter uma dimensão epistemológica muito forte, e que esta revolução epistemológica passará pelas universidades. As universidades terão de aceitar que circulem, dentro delas, outras formas de conhecimento. Outras concepções de vida são possíveis, mas em nossos departamentos de Engenharia, de Ciência, de Biologia, de Física, riem-se de nós, quando falamos da Pacha Mama, da Mãe Natureza ou de direitos da Mãe Terra.

terça-feira, 24 de maio de 2016

SOBRE A PARTICIPAÇÃO DE MILITANTES DO MOVIMENTO NEGRO EM CONSELHOS CONSULTIVOS DURANTE O GOVERNO GOLPISTA DO PRESIDENTE INTERINO.

Nós dirigentes nacionais e estaduais do MNU desde a criação da entidade em 1978, durante a Ditadura Militar combatemos o arbítrio, a segregação racial imposta ao povo negro. O racismo permanente no Brasil é determinado pelos interesses econômicos da oligarquia burguesa brasileira que detém e concentra a maior parte das riquezas produzidas pela classe trabalhadora, onde o povo negro está inserido. Essa tem sido a tônica da organização da sociedade brasileira cuja classe dominante no Brasil impõe e mantém sua visão de mundo a partir de seus valores eurocêntricos, capitalistas e neocolonialistas. Assim a ação das entidades do movimento negro tem sido no sentido de construir ações que façam frente a essa situação buscando sua eliminação em busca de melhores condições de vida do povo negro. No entanto, a vitória política temporária do grande capital promovida por esses setores representa os interesses do grande capital financeiro especulativo internacional e das grandes multinacionais organizados em torno da Bancada da Bala, de veículos de comunicação representado pelas organizações Globo, a revista Veja, a Folha de São Paulo e de falsos aliados promoveu desde o dia 17 de abril o maior golpe político do qual se tem notícia no mundo. É algo tão vergonhoso que tem provocado manifestações diárias de protesto e repúdio, não apenas no Brasil como também em outros países frente ao rápido desmonte das instituições democráticas promovidos pelos golpistas que nesse momento utilizam as estruturas de poder para instituir medidas antipopulares que desconstroem vitórias obtidas com muito esforço pelos movimentos sociais. As denúncias de corrupção cometidas por essa parcela de empresários e figuras políticas importantes foi novamente jogada para “debaixo do tapete”. O Movimento Negro Unificado se mantém na defesa intransigente de continuidade das ações de combate à corrupção que promova uma limpeza na política brasileira criminalizando principalmente os corruptores encobertos nos grandes conglomerados econômicos. Os corruptores não querem um Brasil que construa uma alternativa internacional financeira como é o caso do BRIC’S que é uma grande articulação financeira formada pelo Brasil, Rússia, Índia e China que juntos já possui um grande peso econômico e político que lhe permite desafiar domínio imposto pelo Fundo Monetário Internacional. O retorno ainda que temporário desses “vampiros” desorganiza o Estado Brasileiro, pois retoma com força total os princípios neoliberais promovidos pelo latifúndio e agronegócio determinando a impossibilidade do prosseguimento da reforma agrária, do fortalecimento agricultura familiar e do enfrentamento as resistências à titulação das terras quilombolas. Repudiamos e lutaremos contra o acirramento e o fortalecimento da repressão policial e o redimensionamento do genocídio da juventude negra através da REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL. Não queremos e lutaremos contra a homofobia, a violência contra a mulheres, a exploração das terras indígenas e da mão de obra escrava, da exploração dos trabalhadores e trabalhadoras através da precarização do mercado de trabalho, da privatização das empresas públicas, da abertura irrestrita da economia ao capital internacional e a repressão a participação popular e democrática que impossibilitará a efetiva conquista de uma reforma política que atenda os interesses dos setores excluídos e marginalizados. Por isso defendemos a saída imediata desse governo golpista, pois não é possível dialogar ou ter participação da sociedade civil em um governo que já tem mostrado a que veio. Nossa ação deve ser nas ruas juntos aos demais movimentos sociais em busca da manutenção de nossas conquistas -fruto dessas lutas, o que permitirá o fortalecimento da luta negra contra o racismo. Dizemos Não a esse governo RACISTA, MACHISTA, SEXISTA E ANTI-POVO TRABALHADOR. Todas as medidas proposta até agora, são de interesse do capital nacional e internacional, de arrocho aos trabalhadores e tirada de direitos que atinge principalmente o povo negro. Um governo que não reconhece a diversidade étnica de nosso povo; Um governo que não reconhece os direitos das mulheres; Um governo de homens brancos, ricos e envolvidos em atos de corrupção tem que ser combatido; Um governo que tem como Ministro da Justiça quem defende a tomada das escolas de São Paulo pela Polícia Militar sem mandato judicial, da forma mais truculenta, que aumentou exponencialmente a repressão e os índices de assassinato de jovens negros no estado de São Paulo, que diz que a luta e a resistência popular ao golpe são atos de guerrilhas que devem ser combatidos com mão de ferro. Este governo da REAÇÃO CONSERVADORA E DIREITISTA é um governo inimigo dos setores populares. Lutamos: Pelo Retorno da Democracia; Pela participação de mais negros (as) no governo legítimo da Presidenta Dilma Roussef. Implementação imediata da Lei 10.639/03 (ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas); Pelo Fim do Extermínio da Juventude Negra. Pelo Fim da Perseguição e Repressão às Religiões de Matrizes Africanas. Pelo Empoderamento das Mulheres Negras. Pelo Feriado de 20 de Novembro em Homenagem à Zumbi e Dandara. Pela Titulação e Apoio as Comunidades Negras Rurais Quilombolas. Pela Construção do Projeto Político do Povo Negro Para o Brasil. Por Reparação Histórica e Humanitária ao Povo Negro. PELA SAÍDA IMEDIATA DAS NEGRAS E NEGROS LUTADORES (as) DOS CONSELHOS CONSULTIVOS ENQUANTO DURAR O GOVERNO GOLPISTA DO PRESIDENTE INTERINO. NÃO RECONHECEMOS ESTE GOVERNO GOLPISTA. JÁ TEM LUTA, VAI TER VITÓRIA. NENHUM PASSO ATRÁS. REAJA Á VIOLÊNCIA RACIAL. Assinam: Angela Gomes Coordenação de Relações Internacionais – MNU MG. Marcelo Dias Coordenação de Comunicação Nacional - MNU RJ. Haroldo Antonio GT de Formação da Coordenação Nacional - MNU RJ. Edson Axé GT LGBT da Coordenação Naciona -MNU PE. Délio Martins GT de Comunicação da Coordenação Nacional -MNU RJ. José Ventura GT Quilombola da Coordenação Nacional - MNU MG. MNU Rio de Janeiro. MNU Minas Gerais MNU Ceará. MNU Goiás. MNU Espírito Santo MNU Santa Catarina. MNU Rio Grande do Sul. MNU Mato Grosso do Sul.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A situação colonial, ou a arrogância do colonizador

POR REDAÇÃO – ON 12/11/2015 CATEGORIAS: BRASIL, CULTURA, POLÍTICAS, POSTS Zoológicos humanos: entre 1877 e 1912, foram montadas, em Paris, cerca de trinta “exibições etnológicas” desse tipo Desprezo pelo Outro marca visão eurocêntrica há séculos. Mas Vargas Llosa alfineta: “A forma mais insidiosa de arrogância, a arrogância silenciosa, Casement a encontrou (…) no coração financeiro de Londres” Por Maria Stella Bresciani, na série Ensaios sobre a Arrogância “A expansão é tudo, disse Cecil A situação colonial, ou a arrogância do colonizador, deprimido ao ver no céu “estas estrelas (…) esses vastos mundos que nunca poderíamos atingir. ‘Se eu pudesse anexaria os planetas'” Hannah Arendt (1) O segundo texto da série “Ensaios sobre a Arrogância é de autoria de Maria Stella Bresciani professora emérita, uma das fundadoras do curso de História da Unicamp e criadora do Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade (CIEC). Stella recorta o tema da arrogância do colonizador no texto literário de Mário Vargas Llosa “O sonho do celta” atenta, em suas palavras, “ao poder de fixação de imagens e de percursos, no caso, históricos da escrita ficcional”. O livro de Llosa revela para a autora uma “dimensão facetada” pois fruto de vasta pesquisa documental em viagens ao Congo, à Amazônia, Irlanda, Estados Unidos, Bélgica, Peru, Alemanha e Espanha relativa ao percurso e aos registros do diplomata irlandês Roger Casement. Composta essa trajetória da arrogância colonial, Stella volta-se ao presente para acompanhar filósofos europeus motivados a refletir sobre os fluxos de imigração para a Europa. A autora problematiza o emprego das noções de cosmopolitismo, estrangeiro, alteridade, universalidade, multiculturalismo e cidadania. E termina o texto indagando-se sobre persistência de arrogância silenciosa e residual e de “eurocentrismo … em uma reflexão autoreferida para qual a base conceitual ainda se apresenta na figura do Outro”, ou seja, nas palavras de Balibar “que aceite preservar ou reconstituir a figura do ‘estrangeiro’” (Balibar, 2010 :45-46). (Myriam Bahia Lopes) Nada fácil aproximar-se da noção “arrogância” em suas várias implicações. As definições recolhidas por Yves Déloye em seu artigo “A arrogância do político” a circunscrevem a um traço de caráter que se explicita quando um indivíduo se arroga superioridade ou afirma diferença fundamental em relação a outro indivíduo, o despreza de maneira altaneira ou assume um comportamento de insolência e de desprezo. Trata-se de comportamento formado a partir de posições sociais rígidas em sociedades altamente hierarquizadas e perdura mesmo se passamos dos rituais do Antigo Regime aos da democracia representativa, e até quando numerosos pensadores do século XIX buscaram por fim ao exercício da força arbitrária e aos privilégios das elites. Encontra-se presente nas formas representativas ou democráticas de governo, nas esferas dirigentes das sociedades dos séculos XIX e XX do mundo ocidental. Modos insidiosos de manifestação de arrogância subsistiram e até as noções de civilidade e os rituais associados às normas civis das sociedades democráticas se viram desfigurados, explicitamente ou não, a fim de desculpar atitudes de extrema arrogância e de insolência depreciativa. Comportamentos arrogantes e cruéis, sentimentos por vezes fundados no pressuposto da inferioridade de certos grupos da população de seus territórios foram acobertados pelo silencio cúmplice de governos que fecharam seus olhos, se calaram e mantiveram uma indiferença em relação a eles. Reforçaram-se ainda, quando governantes encorajaram a exploração econômica genocida da população nativa das colônias em nítidas formas violentas e persistentes de manifestação de arrogância. A figura simbólica do Outro se encontra frequentemente no centro do comportamento arrogante daqueles que se recusavam e ainda se recusam a reconhecer até mesmo a humanidade dos que não “figuram” como seus semelhantes. Déloye apresenta os vários substantivos e verbos correlatos à palavra arrogância, sugere a possibilidade de explorar o amplo leque de significações que permanecem até hoje inalteradas, explora as duas dimensões aparentemente sedimentadas progressivamente no emprego do termo “arrogância” e as formas semânticas a ele associadas: uma dimensão descritiva (ou material) e uma dimensão simbólica (ou performativa) (2). Esta tipologia lhe permite se aproximar das configurações históricas e psicológicas que se encontram na base das atitudes ou das políticas de arrogância. Trago para este texto uma acepção do Outro, aquela que expõe de modo nítido a figura histórica do colonizado nos processos de colonização. Figurações instituídas pela arrogância, arma poderosa na expansão das áreas colonizadas e na montagem de impérios. Ao comentar que “Imperialismo não é construção de impérios e expansão não é conquista”, Hannah Arendt expõe uma das dimensões da “mentalidade imperialista”: Contrariamente às verdadeiras estruturas imperais, em que as instituições da nação-mãe se integram de várias maneiras às do império que criam, é característico do imperialismo permanecerem as instituições nacionais separadas da administração colonial, embora se lhes permita exercer controle. O verdadeiro motivo dessa separação estava na curiosa mistura de arrogância e respeito – a arrogância dos administradores que sabiam lidar com “populações atrasadas” ou “raças inferiores”, contrabalançada pelo respeito dos estadistas antiquados no país de origem, que acalentavam as ideias de que nenhuma nação tinha o direito de impor sua lei sobre um povo estrangeiro. A arrogância veio a ser um meio de domínio, enquanto o respeito idealista, tornado negativo, não produziu nenhuma nova forma de convívio entre os povos, mal conseguindo conservar dentro de certos limites as autoridades imperialistas que governavam por decretos. (Arendt, 2012: 198) (3) Autora de texto seminal para entendermos comportamentos pautados pela “arrogância”, Arendt enfrentou sérias resistências quando da publicação da trilogia The Origins of Totalitarianism, em 1949, ao reunir sob um mesmo epíteto ou denominação diversas formas brutais de desprezo pela dignidade humana. Suas reflexões impuseram o debate sobre a arrogância expressa na indiferença e no desprezo de parte de pessoas da alta hierarquia do exército e da burocracia governamental. Questão sensível lida por Yves Déloye nas duas dimensões propostas: descritiva (ou material) e simbólica (ou performativa). Busquei as dimensões propostas por ele em textos de autores contemporâneos, já que também eles ousaram enfrentar e expor a indiscutível atualidade desse tema sensível e por vezes visto como um tabu em suas próprias sociedades. Uma dimensão substantiva da arrogância em situação colonial Começo pela coletânea organizada por Marc Ferro, Le livre noir du colonialisme XVI ème-XXIème siècle: de l’extermination à la repentance (2003) 4. No livro, de cerca de 850 páginas, uma sequência de artigos acompanha a trajetória da empresa colonizadora nas Américas no século XVI, passa pelo tráfico de escravos africanos, pelo colonialismo na Ásia e na África do século XIX e chega aos difíceis processos de descolonização nos séculos XIX e XX. Autor do artigo “Une race condamnée. La colonisation et les aborigènes d’Australie”, Alastair Davidson retira a definição da palavra “coloniser” de The Universal Dictionary of the English Language de Henry C.K. Wyld (1870- 1945): 1) se estabelecer em um país, geralmente subdesenvolvido, longe de seu próprio país, e desenvolver os recursos agrícolas e outros: os ingleses e holandeses colonizaram a África do Sul. 2) Estabelecer pessoas em uma colônia com o objetivo de livrar deles a mãe-pátria, na esperança de que serão mais úteis no novo país: nos ordenam enviar nossos criminosos e indesejáveis para colonizar terras estrangeiras 5. Para o autor, esta classificação subtrai, em sua pretensa “objetividade”, “a ideologia dos Brancos e funda a ideia que eles próprios fazem da colonização da Austrália” (Davidson, 2003:69-99). Davidson propõe ultrapassar a “fronteira”, termo que designa o limite das terras colonizadas, para fixar em contraponto, a voz dos aborígenes e, a meu ver, faz o percurso pela dimensão descritiva “fixação simbólica e performativa da figura do colonizado”: Estamos sob a clara evidência de um povo que eles (os colonos) combateram e conquistaram. (…) Recusam nos reconhecer enquanto grupo distinto de pessoas – o povo aborígene oriundo desta terra. Quando a sobrevivência de um povo é ameaçada, ele contra-ataca. (…) não era, entretanto, do interesse do ministério do Interior britânico reconhecer que as tribos aborígenes formavam uma nação, de lhes conceder, portanto, um estatuto. No decorrer dos dois séculos posteriores a 1788, o povo foi maciçamente assassinado, violado, mutilado e destituído de suas terras tribais. (…) Hoje, constituímos a fração mais pobre do país 6 (Davidson, 2003:70) (tradução minha). As sérias consequências da atitude colonizadora, dimensão descritiva ou material, proposta por Déloye, se faziam ver nos domínios da saúde, da educação, da taxa de desemprego e do número dos prisioneiros. (Davidson, 2003:69-70, apud Irene Watson, The White Invasion Blooklet, Adélaïde, 1982) Afinal, não esqueçamos que a colonização da Austrália ocorreu em pleno “Século das Luzes”, tempo dos eruditos que lançaram as bases da proclamação dos “direitos do homem” e “da descoberta da racionalidade científica”. Eruditos imbuídos da intenção de descobrir as “leis naturais” que regiam o Universo e lançaram as sementes do movimento racista cientificista. Talvez surpreenda encontrar entre os filósofos do século XVIII opiniões contraditórias. Se Diderot denunciava a “barbárie europeia” ao afirmar criticamente que “civilizar” significava “tratar o mundo e os homens que o habitam como extensões desérticas onde se podia massacrar os povos”7, Voltaire era “declaradamente racista tanto em relação aos judeus como aos negros”, afirma Catherine Coquery-Vidrovitch 8. “Nos Negros, ele só via ‘animais’”, diz a autora e o cita: “Seus olhos redondos, o nariz achatado, lábios sempre grossos, orelhas de formatos diferentes, a lã de suas cabeças, a própria medida de suas inteligências, colocam entre eles e as outras espécies de homens diferenças prodigiosas” 9. Voltaire complementa ao sublinhar não serem essas características atribuíveis ao clima, pois quando transportados para países de clima frio, reproduziam-se identicamente e dos mulatos disse nada mais serem “do que uma raça bastarda” (Essai sur les moeurs). Se bem que menos agressiva, a figura do “bon sauvage” de Rousseau e a opinião de Hegel ao considerar que “os não europeus eram seres inferiores por não terem a plena consciência de seu ser” (Lectures on the Philosophy of World History, 1822-1828), não menos ajudaram a fixar a imagem simbólica dos não europeus, com forte poder performático: deram-lhe características de seres vivendo em “estado de inocência, um estado primitivo [que] de fato é um estado de animalidade” (Coquery- Vidrovitch, 2003:660-661)10. Não surpreende, portanto, reconhecer, em 1787, nas palavras de Thomas Jefferson, “diplomata e erudito relacionado aos meios revolucionários franceses”, redator da constituição dos Estados Unidos, a extensão ultramarina da atitude arrogante: Coloco, portanto, como dúvida a suspeita de que os negros, quer sejam originários de uma raça diferente ou que sua especificidade se deva ao tempo e às circunstâncias, são inferiores aos brancos tanto em seus dotes de corpo como de mente. (11) Posição que não impediu os “Pais fundadores” de nomearem “democracia” o novo país e ser ele reconhecido com tal, pelos contemporâneos. É bom lembrar as considerações de Alexis de Tocqueville, em 1840, ao avaliar a população dos Estados Unidos: Descobrem-se entre eles, à primeira vista, três raças naturalmente distintas, e poderia dizer quase inimigas. A educação, a lei, a origem e até a forma exterior dos traços, criaram entre elas uma barreira quase intransponível; (…) Entre aqueles homens tão diversos, o primeiro que atrai os olhares, o primeiro em saber, em força, em felicidade, é o homem branco, o europeu, o homem por excelência; abaixo dele surgem o negro e o índio. Essas duas raças infelizes não têm em comum nem o nascimento, nem a fisionomia, nem a língua, nem os costumes. (…) Não se poderia dizer, ao ver o que se passa no mundo, que o europeu é para os homens das demais raças o que o próprio homem é para os animais? Faz com que sirvam ao seu uso, e quando não os pode curvar, os destrói. Embora atribua a condição de “homem por excelência” ao colono europeu, Tocqueville reconhece ter sido a escravização do africano o motivo da perda de sua condição humana, assim como a progressiva ocupação do território norte-americano ter ocasionado a eliminação física dos indígenas: O negro dos Estados Unidos perdeu quase todos os privilégios da humanidade! O negro dos Estados Unidos perdeu até a lembrança de sua origem; (…) O negro não tem família (…) perdeu até a propriedade de sua pessoa. (…) O índio, pelo contrário, tem uma imaginação cheia da pretensa nobreza da sua origem. Vive e morre no meio desses sonhos do seu orgulho. Longe de querer curvar os seus costumes aos nossos, fixa-se à barbárie como se fosse um sinal distintivo de sua raça e repele a civilização menos ainda talvez por odiá-la que por temer parecer-se aos europeus. (…) Todas as tribos indígenas que outrora habitaram o território da Nova Inglaterra, os Narragansetts, os Moicanos, os Pecots, não mais vivem senão na lembrança dos homens. (…) À medida que os indígenas se afastam e morrem veem crescer em seu lugar, incessantemente, um povo imenso. Jamais se vira entre as nações um desenvolvimento tão prodigioso nem uma destruição tão rápida (12). Contudo, pode-se dizer que dos critérios de diferenciação postulados no século XVIII, o clima e a cultura como determinantes da raça, somente a raça subsistiu no século XIX (Coquery-Vidrovitch, 2003: 665). Penso, assim, ser importante sublinhar a longa e íntima relação entre a “cultura colonial” e os escritos dos pensadores dos séculos XVIII e XIX. Verifica-se uma cumplicidade solidária entre a construção da “cultura colonial” e os escritos dos naturalistas e filósofos, tais como Buffon, Montesquieu, Diderot, De Paw, entre outros. O estudioso Antonello Gerbi diz que “com Buffon, o eurocentrismo se afirma na nova ciência da natureza viva. E por certo não é mera coincidência que isso acontecesse exatamente quando a ideia da Europa se tornava mais plena, completa e galharda, como tampouco é gratuito que a Europa política e civil se definisse, então, em oposição à Ásia e à África, (…) e afrontasse impávida o mundo americano” (Gerbi, 1996: 37-41). As teorias da inferioridade dos não europeus persistiram para além da colonização das “wilderness” das Américas ao recobrir ações nas terras “bárbaras” ou carentes de “civilização” em outros continentes. Assim, se o livro de Arthur de Gobineau Essai sur l’inégalité des races humaines, publicado em 1853, somente no início do século XX “se tornaria fundamental para as teorias racistas da história”, como afirma Arendt (Origens do totalitarismo, 2012: p. 249), a teoria proposta por Charles Darwin teve seus adeptos já no século XIX. Coquery-Vidrovitch mostra que “a favor da vaga da expansão colonial da segunda metade do século, os sociólogos darwinistas fizeram da seleção natural das espécies um apoio para as implicações da conquista: a dominação e a destruição”. Afirmaram ser “normal e justificado o domínio dos povos inferiores pelos vencedores, mas também sua eliminação como modo a assegurar uma longa sobrevivência à espécie humana”. A autora reproduz as palavras de Darwin que, aliás, não deixam dúvidas sobre sua posição: “As raças humanas civilizadas quase certamente exterminarão e substituirão as raças selvagens em todo o mundo”13. (Coquery-Vidrovitch, 2003:665, apud Darwin. The descent of Man, 1888, p.159-160) As dimensões descritiva e simbólica da arrogância colonial Em 2008, outra coletânea dirigida por Pascal Blanchard, Sandrine Lemaire e Nicolas Bancel, oferece perspectivas críticas no mesmo sentido: Culture coloniale en France. De la Révolution française à nos jours14. No Prefácio, o antropólogo Gilles Boëtsch coloca uma indagação: A cultura colonial, uma cultura partilhada? O objetivo dos autores envolvidos em trabalho coletivo desde 1990 define-se, afirma Boëtsch, pela clara intenção de ir além “dos debates binários a respeito do ‘arrependimento’ ou dos ‘aspectos positivos’ da colonização”, já que os consideramos bastante deslocados da complexidade originária das questões em jogo quando se aborda o campo da cultura colonial.” Ao tratar deste tema central, ele reconhece a importância “da questão das heranças e das polêmicas que giram em torno de um passado colonial compartilhado obrigatoriamente, e “nos lembra que a história é mal partilhada com o Outro”. Para ele, seria justamente “o trabalho de integrar o “Outro” à história” o eixo constitutivo da coletânea (Boëtsch, 2008:7-9). Como reverter a perspectiva do olhar metropolitano? Como empreender o trabalho de “desconstrução de um conjunto de dispositivos culturais, jurídicos, políticos, (…) uma configuração histórica, marcada profundamente pelo processo imperial e seus prolongamentos pós-coloniais (…) nomeado com a expressão ‘cultura colonial’”? Afinal, afirmam os coordenadores da coletânea, “a França empreende a colonização na mesma época em que nasce a IIIª República”, e em sincronia se esboçam os fundamentos de uma cultura colonial que “se fixa duradouramente na opinião” e “atinge seu apogeu quando das comemorações do centenário da conquista da Argélia e da Exposição Colonial Internacional de 1931”. O agenciamento da propaganda desta cultura recorre a “poderosos suportes de difusão – literatura, canção, cabaré, propaganda, teatro, imprensa, exposições, espetáculos, cartões postais, cartazes, manuais escolares, livros, imagens fixas, cinema” (Blanchard, Lemaire e Bancel, 2008:14-15). Essa propaganda conduz às dimensões tanto descritiva como simbólica da colonização. Exemplo flagrante do esforço de propaganda consta no programa da Exposição Universal de 1889 em Paris, onde uma das atrações não deixa dúvidas quanto à intenção dos organizadores de exibir seres humanos como espécimes exóticos, verdadeiro “zoológico humano de negros, taitianos e Kanaks” (Blanchard, Lemaire, Bancel, 2008, p.18). O recurso a exposições apoiadas em teorias pretensamente científicas obedecia à intenção pedagógica de “vulgarizar o axioma da desigualdade das “raças” humanas e justificar em parte”, junto ao público de visitantes, “o domínio associado à colonização” (Lemaire e Blanchard, 2008:116) (15). A produção do “imaginário racializante do Outro, fundamentado na teoria científica da ‘hierarquia das raças’, seguia os progressos da antropologia física”, afirmam os autores, e sustentou “a edificação de um império colonial então em plena expansão”. Entre 1877 e 1931, foram realizadas “mais de 40 exposições etnológicas (…) no Jardim Zoológico de Aclimatação, sempre com sucesso. Esquimós, Lapões, Gaúchos, Argentinos, Núbios, Ashantis, Índios galibis, Cosacos… se apresentaram e serviram tanto como espécimes de estudos antropológicos como atração para o grande público.” Entre as duas guerras, “época do apogeu colonial”, “imagens estereotipadas” se impuseram; a mensagem valorizava a colonização, pois dava nascimento “a une Plus Grande France”; igualava-a ao Império britânico – “‘uma França onde o sol jamais se punha”, onde as colônias se dispunham como prolongamentos da metrópole (Lemaire e Blanchard, 2008:16). Procedimento arrogante e persistente, embora “a Grande Guerra constituísse uma ruptura com a descoberta da alteridade encenada pelas populações colonizadas, com a chegada maciça de contingentes de soldados e trabalhadores magrebinos, indochineses ou africanos”. Com a presença dos recém-chegados, “o ‘selvagem’ se tornou ‘o filho adotivo’ da ‘Plus Grande France’”, e modificou profundamente um dos aspectos mais importantes da cultura colonial: “as barreiras físicas então desapareceram, porém a distância cultural manteve-se real no espírito de todos” (16). Talvez tenha sido, justamente, essa nova representação simbólica da figura do Outro o estímulo para Henri Berr, responsável pela Coleção “L’évolution de l’humanité”, publicar, em 1937, o livro de Georges Hardy La Politique Coloniale et le Partage de la terre aux XIXe et XXe siècles 17. O autor na época ocupava os cargos de Reitor da Academia da Argélia e de Diretor honorário da Escola colonial, compõe um balanço do que Henri Berr denominou le fait historique de la colonisation. Hardy repassa a colonização desde a antiguidade fenícia e greco-romana, porém é, sobretudo, a ação colonizadora dos séculos XIX e XX na África, Ásia e Oceania que merece maior atenção. Período em que Rússia, Bélgica, Alemanha, Itália, Estados-Unidos e Japão se lançam à partilha do mundo. Seu livro traz 14 mapas que surpreendem pela dimensão e rapidez da progressão da weltpolitik. Antes de iniciar sua exposição, Hardy coloca lado a lado “o mundo colonial em 1815 e o mundo colonial em 1937”, dois mapas elucidativos da enorme parte do mundo ocupada por nações estrangeiras no decorrer do século XIX e início do XX. Nele, o autor reconhece terem os conflitos de interesse, de hábitos e de ideias permeado a ocupação colonial, pacífica ou sangrenta, e gerado debates sobre sua legitimidade. O levantamento das motivações da ação colonial pode sugerir uma atitude crítica de sua parte: “o apetite da expansão comercial, a necessidade de buscar produtos alimentares ou matérias primas e abrir mercado para indústria metropolitana”, ou, acrescenta oportunamente, “o que parece dominar as origens da colonização contemporânea, (…) as intenções propriamente políticas” (Hardy, 1937:453). Hardy empreende inclusive um balanço dos custos externos e internos da empresa colonizadora e se indaga se após um século de experiência, as colônias valiam realmente tantos sacrifícios e problemas. Seu balanço se inclina, entretanto, para o lado positivo, ao concluir ser a colonização “antes de tudo, uma ‘escola de energia’” e finalizar sua análise afirmando: “Esta grande obra de interpenetração do mundo, esta fecundação de raças que o isolamento esterilizava, foi a Europa que, em menos de cem anos, realizou por sua conta. Que tenha cometido erros, que às vezes tenha abusado de sua ascendência e mesmo cedido a instintos deploráveis, deve-se lhe perdoar, eram sem dúvida inevitáveis…”(Hardy, 1937;466-467). Justificativa exemplar da ação colonizadora. A arrogância colonial nos textos literários For Augustine the eye was an organ of conscience, as it was for Plato; indeed, the Greek work for ‘theory” is theoria, wich means “look at,” “seeing”, or – in the modern usage that combines physical experience of light with understanding – “illumination” Richard Sennett (18) Foi a audaciosa tarefa de prefaciar o livro de Marion Brepohl,Imaginação Literária e Política. Os Alemães e o Imperialismo,19 que me levou ao livro de Hardy, no intuito de ter acesso à voz do colonizador de grandes áreas ocupadas na África. Em seu livro Brepohl trouxe também vozes de colonizadores e de literatos ao expor a dimensão e a força dos textos ficcionais em apoio, estímulo e justificativa da ação colonizadora. Suas incursões por esses textos abriram-lhe os meandros da específica experiência colonizadora do Estado alemão e sua análise sensível e inteligente lhe permitiu aceder ao poder da escrita literária como propaganda e justificativa dos empreendimentos em terras africanas. Ato contínuo, a releitura do romance O sonho do celta, de Mario Vargas Llosa 20 foi incentivada pelo poder de sedução e convencimento do texto literário, detalhado na análise de Brepohl. Detive-me de modo muito atento ao poder de fixação de imagens e de percursos, no caso, históricos, da escrita ficcional. O sonho do celta ampliou a gama de relatos sobre países ocupados, ao aceder os meandros da “ação colonizadora” dos belgas no território do Congo e da empresa inglesa na Amazônia peruana. Nos dois casos, a extração do látex das seringueiras movia a presença de representantes desses dois países na África e na América do Sul. Permitiu também conhecer o porquê do discurso de Anatole France no protesto contra a França colonial, em 30 de janeiro de 1906: Oh! Sabemos muito bem que os Negros do Estado livre do Congo, os escravos de S.M. o rei dos Belgas são cruelmente torturados. Sabemos que na África, na Ásia, em todas as colônias, seja lá qual for o povo a que pertencem, levantam-se as mesmas queixas, os mesmos uivos de dor em direção ao céu surdo. Isto é o que se chama a civilização moderna. (…) Os Brancos só se comunicam com os Negros ou os Amarelos para sujeitá-los ou massacrá-los (21). (France, apud Marcel Merle. “L’anticolonialisme” in Ferro, Le livre Noir du Colonialism, 2003:635) Em contraponto à avaliação dos textos acadêmicos, a escrita literária de Vargas Llosa nos conduz por um percurso de ritmo alucinante. Na apresentação de situações documentadas e apreensões subjetivas, seu texto permite penetrar os meandros tortuosos e cruéis da ação colonizadora movida pelos interesses econômicos de um rei, Leopoldo II da Bélgica, proprietário exclusivo do Congo Belga, e pelos interesses similares da Peruvien Amazon Company, empresa inglesa cotada na Bolsa de Londres. Llosa refez esses caminhos por meio das anotações pessoais, cartas e relatórios oficiais de Roger Casement, diplomata irlandês a serviço do governo da Grã-Bretanha, redigidas entre 1903 e 1916, quando, após ser denunciado e condenado como traidor da pátria por militar pela independência da Irlanda, foi executado. (Llosa, 2011:254) (22). A longa pesquisa e o recurso à documentação, recolhida em viagens ao Congo, à Amazônia, Irlanda, Estados Unidos, Bélgica, Peru, Alemanha e Espanha, conferem ao relato literário de O sonho do Celta uma dimensão multifacetada. Llosa desenha um personagem cuja trajetória como cônsul o levou a vários lugares da África – Old Calabar, Nigéria, Lourenço Marques, atual Maputo, Moçambique, São Paulo de Luanda, Angola – e a São Paulo no Brasil, antes de assumir a tarefa de averiguar as denúncias de maus tratos dos nativos em territórios colonizados. De sua experiência no Congo Belga, iniciada em maio de 1903, e perante todos os horrores e crueldades por ele presenciados, seria a forma debochada das autoridades ao se referirem aos africanos e os tratarem como escravos o que lhe causou maior impacto. Em carta a sua prima Gee, Casement confessa ter sido acometido por um sentimento de desespero e desesperança: Acho que estou perdendo o juízo, querida Gee (…). Temo que, se continuar esquadrinhando a que extremos podem chegar a maldade e a ignomínia dos seres humanos, não escreva meu relatório. Estou à beira da loucura. Alguma coisa está se desintegrando na minha mente. (…) vou também acabar dando chicotadas, cortando as mãos e assassinando congoleses entre o almoço e o jantar sem o menor problema de consciência e nem perder o apetite. (Llosa, 2011:95). Uma atitude certamente generalizada e confirmada por Casement quando, ao indagar a um oficial se não lhe pesaria na consciência a morte de um garoto nativo submetido a chicotadas, este lhe respondeu: “Quando vim para o Congo, tomei a precaução de deixar a consciência no meu país” (Llosa, 2011:52). A despeito de todo o horror, ou talvez até mesmo estimulado pelas denúncias dos abusos cometidos por empresas europeias, somados à forma pela qual seu Relatório foi bem acolhido pelo Foreign Office e demais autoridades inglesas, Casement aceitou uma nova empreitada: a de investigar a denúncia de maus tratos e mesmo de escravização de trabalhadores peruanos nativos a serviço da Peruvien Amazon Company, em Iquitos, onde chega no final de agosto de 1910 (Llosa, 2011:100,172,125). Os horrores já vistos no Congo repetiam-se; as mesmas atrocidades eram toleradas pelo complacente cônsul inglês. Sua investigação quase lhe custou a vida, tanto ao ser acometido por doenças, mas sobretudo pela crescente e preocupante hostilidade do administrador e seus asseclas. Quando indaga a um administrador da companhia sobre denúncias de que “matava os Índios por puro esporte”, dele recebeu uma resposta de insolente ironia: “Protesto porque nestes últimos dois meses só morreram uns quarenta índios na minha estação” (Llosa, 2011:139). A forma mais insidiosa de arrogância, a arrogância silenciosa, Casement a encontrou nos escritórios da Peruvian Amazon Company em Salisbury House, no coração financeiro de Londres. Um lugar espetacular, com paisagem de Gainsborough na parede, secretárias de uniforme, salas atapetadas, sofás de couro. E, no outro extremo do mundo, “no Putumayo, huitotos, ocaimas, muinanes, nonuyas, andoques, rezigaros e boras ninguém sequer mexia uma palha…”. (Llosa, 2011:192) Aos horrores da colonização europeia em terras africanas e sul-americanas acrescenta-se a “descoberta” por Casement da situação da Irlanda, seu país. E se indaga: “Por acaso a Irlanda também não é uma colônia, como o Congo?” (Llosa, 2011:96). Recordações infantis trazem à memória seu tempo de estudante: “Na Ballymena High School (…) as crianças e adolescentes eram levados a pensar que a Irlanda era um país bárbaro e sem passado digno de memória, elevado à civilização pelo ocupante, educado e modernizado pelo Império que o despojou da sua tradição, de sua língua e da sua soberania.” (Llosa, 2011:119) Llosa desenvolve pela escrita um movimento de persuasão racional com riqueza de detalhes de situações vivenciadas por Casement no Congo Belga, em Iquitos no Peru e no próprio Reino Unido. Compõe uma escrita saturada de sentimentos de horror e de compaixão. Sua maestria literária revela ao leitor os sentimentos, medos, entusiasmos e arrependimentos que perpassaram a trajetória de Roger Casement. Nos conduz a uma posição de cumplicidade com os colonizados em um texto no qual a arrogância colonial se apresenta tanto na dimensão descritiva ou material, como substantiva e simbólica. Talvez sua maior maestria esteja em, por ser peruano de nascimento, assumir o “lugar” de autor que lhe permitiu tecer a figura do personagem Casement em seu percurso de formação da autoconsciência na condição de colonizado, esgarçando aos poucos a própria arrogância de britânico colonialista, ferido pelo aguilhão da ação “colonizadora” dos europeus. Permitiu-nos compartilhar a denúncia de algo que se situa em um tempo passado e em terras afastadas de nós, mas, sobretudo, sublinho enfaticamente, que diz respeito a uma questão sensível, dramaticamente atual, não só, mas muito em especial, à Europa. O reverso das colônias – fronteiras de limites “incertos” Certamente, vagas de imigrantes provenientes de diversos países e culturas aportam já há várias décadas em países europeus, nos Estados Unidos e em menor escala no Brasil; causam apreensão e problemas complexos, cujas avaliações se apresentam contraditórias. No início desta década, filósofos alemães, franceses e portugueses se propuseram a refletir sobre o significado de se “viver na Europa hoje” particularmente atentos às essas vagas de imigração “com frequência originárias da África francófona e lusófona, e cada vez mais, também do Brasil”.23 Publicados em 2010, seus textos analisam sob diversas perspectivas a complexa e difícil coexistência de países da Comunidade Europeia com a população oriunda de suas antigas colônias. Menos do que os dados estatísticos, o que interessa para o argumento que desenvolvo neste texto é o campo conceitual, eixo das análises dos autores: a origem europeia, na Grécia clássica, das palavras cosmopolis, cosmopolíticos, cosmopolitès, nas quais “a ideia de “política” se coloca em relação direta com da “constituição de cidadania” (politeia)”. Escolhi o artigo de Étienne Balibar “Cosmopolitisme, internationalisme, cosmopolitique” 24 por constituir um ensaio de reunir várias tentativas de reflexão e compreensão desse viver em meio a múltiplas culturas no início do século XXI. O autor expõe abertamente duas posições dos Europeus sobre o cosmopolitismo: “uma diz respeito à crítica das tradições dos cosmopolitismos e do internacionalismo (…) herdados dos últimos dois séculos de filosofia e política democráticas; a outra busca refletir novamente sobre a questão da democratização das fronteiras, considerada a tendência atual das políticas de Estado (…) na busca de sobrepor a categoria “estrangeiro” à de “inimigo’” (Balibar, 2010 :44). Balibar expõe uma dimensão sensível e contraditória da democratização das fronteiras frente aos desafios da nova experiência de convívio multicultural ao dizer que o “componente do imperialismo, dos antigos imperialismos coloniais e da dominação” fora substituído por “um néo-imperialismo fundado na dominação financeira e na hegemonia comercial, na arbitragem e na intervenção ‘humanitária’, etc.”, e inclui nesse jogo os Estados-Unidos. Para superar a situação, evoca a possibilidade de um “cosmopolitismo inclusivo oposto ao cosmopolitismo exclusivo/excludente”. Em sua opinião, este deveria ser um “cosmopolitismo ativo” direcionado a um projeto de nova esfera pública mundial oposta à sociabilidade das redes; ou seja, afirma, “um cosmopolitismo que assuma a irredutibilidade das diferenças, o reconhecimento mútuo das singularidades, que aceite preservar ou reconstituir a figura do ‘estrangeiro’” (Balibar, 2010 :45-46). Apoiado em noções de Zygmunt Bauman, Balibar propõe reatar a ideia de “tradução entre as culturas”, que a seu ver provém de certo discurso pós-colonial, à de cidadania transnacional. Dessa maneira, afirma citando Bauman, “a universalidade não é a antítese das diferenças, ela não pressupõe ‘homogeneidade’ ou ’pureza’ culturais. (…) A universalidade nada mais é do que a capacidade de comunicação e compreensão mútua, (…) com o sentido de saber como ligarem-se entre si, (…) e face aos outros.” Para a União Europeia, sugere “instituir uma cidadania de residência de modo a unir o ‘país legal’ ao ‘país real’; ou seja, “conferir o direito ao voto para os ‘residentes permanentes’ de cada país (…) um modelo de diáspora da cidadania”. Em suma, Balibar oferece argumentos importantes para uma profunda reflexão ao retomar palavras de Hannah Arendt em sua proposta de uma cidadania “em termos de direito de ‘cité’ ou de direito de residir na ‘cité’ com os direitos da ‘cité’, uma ‘citoyenneté partagée’” (Balibar, 2010:37,46-47). Sem dúvida a proposta de Balibar seduz pela extensão bem intencionada do acolhimento na União Europeia de pessoas oriundas de países e culturas diversas, até mesmo internas à própria Europa. Aceitar a presença dos imigrantes e conferir-lhes a condição de participantes do que denomina ‘pais legal’ conduz à noção de cidadania não excludente. Entretanto, resta uma questão: estaria implícita em sua proposta uma cidadania democrática, entendida democracia nos termos comtemporênos? A meu ver, em suas palavras algo parece se manter como arrogância residual, silenciosa que, talvez, de tão naturalizada passa pouco perceptível a ele e a seus companheiros de coletânea: o eurocentrismo presente em uma reflexão autoreferida para qual a base conceitual ainda se apresenta na figura do Outro. Notas: Arendt, Hannah. The Origins of Totalitarianism. New York, Meridian Books, Inc., 1958, p.124 Esta tipologia se inspira livremente na proposta por Hanna Fenichel Pitkin, The Concept of Representation, Berkeley, University of California Press, 1967, apud Déloye. No original: “In contrast to true imperial structures, where the institutions of the mother country are in various ways integrated into the empire, it is characteristic of imperialism that national institutions remain separate from colonial administration although they allowed to exercise control. The actual motivation for this separation was a curious misture of arrogance and respect: the new arrogance of the administrators abroad faced “backward populations” or “lower breeds” found its correlative in respect of old-fashioned statesmen at home who felt that nation had the right to impose its law upon a foreign people. It was in the very nature of the things that the arrogance turned out to be a device for rule, while the respect, which remained entirely negative, did not produce a new way for peoples to live together, but managed only to keep the ruthless imperialist rule by decree within bounds”. (Arendt 1958, p.126). Origens do totalitarismo. Antissemitismo, imperialismo, totalitarismo, São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Ferro, Marc Le livre noir du colonialisme XVIe – XXIe siècle: de l’extermination à la repentance, Paris: Robert Laffont, 2003. No original : “1) s’établir dans un pays, genéralement dans un pays sous-développé, loin de son propre pays, et développer ses ressources agricoles et autres: les Anglais et les Hollandais colonisèrent l’Afrique du Sud. 2) Établir des personnes dans une colonie en vue d’en débarasser la mère patrie, dans l’espoir qu’elles seront plus utiles dans le pays neuf: on nous enjoint d’envoyer nos criminels et nos indérisables coloniser des terres étrangères”.A situação colonial, ou a arrogância do colonizador No original : “Nous sommes de toute évidence un peuple qu’ils [les colons] combattirent et conquirent (…) On refuse de nous reconnaître en tant que groupe distinct de personnes – le peuple aborigène issu de cette terre. Quand la survie d’un peuple est menacée, il contre-attaque.(…) mais il n’était pas de l’intérêt du Ministère de l’Intérieur britannique de reconnaître que les tribus aborigènes formaient une nation ni de leur accorder un statut en conséquence. Le peuple fut massivement assassiné, violé, mutilé et dépossédé de ses terres tribales” au cours des deux siècles postérieurs à 1788. “Aujourd’hui, nous constituons la fraction la plus pauvre du pays”. No original : “traiter le monde et les hommes qui l’habitent comme des étendues désertiques où on pouvait massacrer les peuples, les piller et les asservir”. No original : “ouvertement raciste aussi bien contre les juifs que contre les Noirs”. O artigo de Catherine Coquery-Vidrovitch – “Le postulat de la supériorité blanche et de l’infériorité noire” traz informações preciosas sobre a antiga e longa persistência de opiniões preconceituosas na figuração do Outro desde os antigos gregos, in Ferro, Marc 2003, op.cit., pp.646-685. No original: “Leurs yeux ronds, leur nez épaté, leurs lèvres toujours grosses, leurs oreilles différemment figurées, la laine de leur tête, la mesure même de leur intelligence, mettent eux et les autres espèces d’hommes des différences prodigieuses”. Remeto a Antonello Gerbi. O Novo Mundo. História de uma polêmica (1750-1900). São Paulo: Companhia das Letras, 1996. No original: “I advance it therefore as a suspicion only, that blacks, wether originally a distinct race, or made distinct by time and circunstances, are inferior to the whites in the endowements both of body and mind”. (Catherine Coquery-Vidrovitch (p. 664) apud John Stockdale. Notes on the State of Virginia, 1787). Tocqueville consagrou o cap. X de De la Démocratie en Amérique, para avaliar a posição das “três raças” nos Estados Unidos: “On découvre en eux, dès le premier abord, trois races naturellement distinctes, et je pourrais oreque dire ennemies. L’éducation, la loi, l’ origine, et jusqu’ à la forme extérieure des traits, avaientre élévé entre elles une barrière presque insurmontable. (…) Parmi ces hommes si divers, le premier qui attire les regards, le premier en lumière, en puissance, en bonheur, c’est l’homme blanc, l’Européen, l’homme par excellence ; au-dessus de lui paraissent le nègre et l’Indien. […] Ne dirait-on pas, à voir ce qui se passe dans le monde, que l’Européen est aux hommes des autres races ce que l’homme lui-même est aux animaux ? Ils les fait servir à son usage, et quand il ne peit les plier, il les détruit. […] des Áfricains ont perdu presque tous les privilèges de l’humanité ! Le nègre des États-Unis a perdu jus’u’au souvenir de son pays ! […] Le nègre n’a point de famille… […] il a perdu jusqu’à la proprieté de sa personne (…) L’Indien, au contraire, a l’imagination toute remplie de la prétendue noblesse de son origine. Il vit et meurt au milieu de ces rêves de son orgueil. Loin de vouloir plier ses moeurs aux nôtres, il s’attache à la barbarie comme un signe distinctif de sa race… […] Toutes les tribus indiennes qui habitaient autrefois le territoire de la Nouvelle-Angleterre, les Narragansetts, les Mohikans, les Pecots, ne vivent plus que dans les souvenir des hommes. […] A mesure que les indigènes s’éloignent et meurent, à leur place vient et grandit sans cesse un peuple immense.” in Tocqueville, Alexis. De la Démocratie en Amérique, livre 1 de la Première édition historique-critique revue et augmentée par Eduardo Nolla, Paris : Vrin, 1990, pp. 246-250 Edição brasileira A democracia na América, Belo Horizonte : Itatiaia ; São Paulo : Ed. USP, 1977 (pp. 243-247). No original: “The civilized races of man will almost certanly exterminate and replace the savage races throughout the world.” Exibition, exposition, médiatisation et colonies in Culture coloniale en France. De la Révolution française à nos jours. Blanchard, Pascal; Lemaire, Sandrine et Blancel, Nicolas (dir.), Préface de Gilles Boëtsch, CNRS Éditions, 2008. Exibition, exposition, médiatisation et colonies in Culture coloniale en France, op. cit, p. 115. Sandrine Lemaire et Pascal Blanchard. “Exibitions, expositions, médiatisation et colonies (1870-1914)” in Lemaire e Blanchard, 2008:111-119. Hardy, George. La Politique Coloniale et le Partage de la terre aux XIXe et XXe siècles. Paris: Albin Michel, 1937. Sennett, Richard. The Conscience of the Eye. The Design and Social Lifes of Cities, New Yor/London : W.W.Norton & Company,1990, p.8. Brepohl, Marion. Imaginação Literária e Política. Os Alemães e o Imperialismo.1880/1945, Uberlândia : EDUFU, 2010. Vargas Llosa, Mario. O sonho do celta. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011. No original: “Oh ! Nous savons bien que les Noirs de l’État libre du Congo, les esclaves de S.M. le roi des Belges ne sont pas moins cruellement torturés. (…) C’est ce qu’on appelle la civilisation moderne. (…) Les Blancs ne communiquent avec les Noirs ou les Jaunes que pour les asservir ou les massacrer”. Hannah Arendt comenta que “Os antigos ‘fundadores de impérios’ britânicos, confiando na conquista como método permanente de domínio, jamais conseguiram incorporar à vasta estrutura do Império Britânico ou da Comunidade Britânica de Nações os seus vizinhos mais próximos, os irlandeses. Essa antiga ‘possessão’ denunciou unilateralmente sua condição de domínio (em 1937) e rompeu todos os laços com a nação inglesa quando se recusou a participar da guerra. A conquista permanente (…) despertou (…) nos irlandeses o espírito de resistência nacional.” in Origens do Totalitarismo, op.cit., p.194. Vivre en Europe. Philosophie, politique et science aujourd’hui (Bertrand Ogilvie, Diogo Sardinha, Frieder Otto Wolf, orgs.). Paris: L’Harmanttan, 2010. Balibar, Étienne. Cosmopolitisme, internationalisme, cosmopolitique, Vivre en Europe, op. cit., pp. 19-49. Referências: Arendt, Hannah. The Origins of Totalitarianism. New York, Meridian Books, Inc., 1958; Edição brasileira: Origens do Totalitarismo. Tradução Roberto Raposo, São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Blanchard, Pascal; Lemaire, Sandrine et Blancel, Nicolas (dir.), Préface de Gilles Boëtsch,, orgs. Culture coloniale en France. De la Révolution française à nos jours. CNRS Éditions, 2008. Bancel, Nicolas, Blanchard, Pascal, Boëtsch, Gilles, Deroc, Eric e Lemaire, Sandrine, (orgs.), Zoos Humains. De la vénus hottentote aux reality shows. Paris, La Découverte, 2002. Brepohl, Marion. Imaginação Literária e Política. Os Alemães e o Imperialismo. 1880/1945, Uberlândia : EDUFU, 2010. Ferro, Marc Le livre noir du colonialisme XVIe – XXIe siècle: de l’extermination à la repentance. Paris: Robert Laffont, 2003. Gerbi, Antonello. O Novo Mundo. História de uma polêmica (1750-1900), São Paulo, Companhia das Letras, 1996, Gobineau. Essai sur l’inégalité des races humaines. Ed. Librarie de Paris Firmin-Diderot, Paris: 1983. Hardy, George. La Politique Coloniale et le Partage de la terre aux XIXe et XXe siècles. Paris: Albin Michel, 1937. Ogilvie, Bertrand; Sardinha, Diogo; Wolf, Frieder Otto, orgs. Vivre en Europe. Philosophie, politique et science

quinta-feira, 19 de maio de 2016

O DIA SEGUINTE AO FIM DA ESCRAVIDÃO

  ESCRITA DA HISTÓRIA SUGESTÕES DE ESTUDOS O DIA SEGUINTE AO FIM DA ESCRAVIDÃO Postado em 13 de maio de 2016  Por Douglas Belchior Imagine um amigo seu ou um parente que fosse tratado como um animal. Imagine as pessoas que você ama vivendo sem ter nenhum direito, podendo ser vendidos, trocados, castigados, mutilados ou mesmo mortos sem que ninguém ou nenhuma instituição pudesse intervir em seu favor. Imagine você, seu pai, sua mãe ou seu filho sendo tratados como coisa qualquer, como um porco, um cavalo, ou um cachorro. Imagine sua filha sendo levada ou mesmo ao seu lado, estuprada, todos os dias e depois, grávida à serventia do negócio de seu dono. Clóvis Moura (Moura, 1989, p.15-16), faz o relato sem personagens. Eu os incluí para pedir que imagine. Você que já chorou diante das cenas que remetem o sofrimento de Jesus Cristo, na sexta feira da paixão; Você que fechou os olhos frente às fortes imagens de Django Livre; Você que se emocionou com 12 anos de escravidão, imagine. Imagine – e saiba – que teu país e as riquezas que o conformam existem em função de quatro séculos de escravidão. E de tudo que deste período e deste sistema decorreu a partir de então. Mas enfim, a escravidão acabou: 13 de maio, princesa Isabel e muita festa! Festa e promessa de abonança, tal qual desrespeitosamente a golpista Rede Globo nos educa, quase sempre com muita graça, como nos episódios clássicos do “Baú do Fantástico” e do “Tá no ar!“. E no dia seguinte, tudo seria diferente. Desde que acompanho o movimento negro, aprendi que dia 14 de maio, o dia seguinte ao fim da escravidão, foi o dia mais longo da história. Aliás, dizem outros, é o dia que não terminou. Depois de séculos de sequestros, escravidão e assassinatos, o que se viu nos anos pós-abolição foi a formação e o desenvolvimento de um país que negou e ainda nega à população negra condições mínimas de integração e participação na riqueza. Sem terra, sem empregos, sem educação, sem saúde, sem teto, sem representação. Sequer a mais liberal das reformas, a agrária, fora possível no país das capitanias hereditárias. Vamos olhar para o campo e observar as fileiras ou os acampamentos de Sem Terra, maioria negras e negros. Vamos buscar na memória os rostos de quem conforma o pelotão que estremece as metrópoles na justa luta por moradia capitaneada pelos movimentos de Sem-Teto nos dias de hoje: negras e negros! Bora olhar para as filas dos hospitais, para os que esperam exames e tratamentos, para os analfabetos ou para as crianças em idade escolar que estão fora da escola. Vamos olhar para a população carcerária e suas condições de existência. Vamos olhar para as vítimas de violência policial, para os números de desaparecimentos e homicídios. Vamos olhar para os dependentes do bolsa-família ou da previdência social. Vamos olhar para a pobreza. De fato, ela atinge a todos. Mas a presença de negras e negros nas condições narradas aqui, tem sido desproporcional e pouco se alterou desde 1888. O dia seguinte, a década seguinte, os 128 anos seguintes ao fim da escravidão não foram suficientes para nos livrar de uma herança racista, reafirmada cotidianamente pelos descendentes dos colonizadores que sempre dirigiram o Brasil. Estes mantém a posse do latifúndio, hoje rebatizado agronegócio. Mantém o domínio dos grandes meios de comunicação, são donos das grandes empresas, bancos, conglomerados educacionais-empresariais, além de dirigir politicamente as maiores Igrejas. Com isso garantem o poderio econômico a supremacia política e a representação eleitoral de maneira a manter intocáveis seus interesses. Nada diferente do que tem sido os últimos 128 anos. Ou os últimos 516… E nesse dia seguinte ao 13 de maio, neste dia depois do “fim da escravidão”, resistimos! E em saraus, cursinhos comunitários, coletivos negros, nas rodas de samba e candomblé, nos bondes funkeiros, no hip-hop, na poesia, na literatura, nas artes, na internet, no movimento negro, e aos pouquinhos, nas universidades, existimos. E sendo assim, dotados de tamanha resiliência, imaginem a revolta! 

quinta-feira, 12 de maio de 2016

MENSAGEM PARA O 13 DE MAIO

Hoje é dia de luta! É dia Nacional de Denúncia contra o Racismo. Passados 128 anos da assinatura da Lei de Abolição da Escravatura seguimos lutando por justiça. Somos fortes e resistentes. Lutamos não apenas pelo respeito às nossas origens, à nossa história, ao que somos; lutamos também pelo direito de lutar. Em um país em que muitos escolhem viver a ilusão da inexistência do racismo, falar em discriminação racial pode denotar baixa autoestima ou complexo de inferioridade. O negro que defende a promoção da igualdade racial através de políticas de reparação é facilmente acusado de querer vida fácil. Apesar dos avanços, lutar pelos direitos da comunidade negra e denunciar o racismo no Brasil continua sendo uma demonstração da força e da resistência que sempre caracterizou a comunidade negra. O racismo dos dias de hoje é fruto da nossa vergonhosa história escravocrata. A Lei Áurea, sancionada em 13 de maio de 1888, largou à própria sorte a população escrava do país ao conceder-lhes liberdade, sem que as condições mínimas necessárias à cidadania lhes fossem dadas. Sem garantir os direitos básicos, a abolição trouxe poucas mudanças à vida dos negros da época. Os efeitos desse processo de libertação desastroso se estendem até dias de hoje, com uma desigualdade racial que além de bastante perceptível no dia-a-dia social, se expressa de forma incontestável em análises de índices de desenvolvimento humano. Essa obvia relação passado-presente permanece pouco compreendida por grande parte da população brasileira. Quando um povo esquece sua história, deixa de aprender com ela. Com isso os processos de exclusão se repetem e se atualizam. Mais de um século se passou desde o projeto de abolição que culminou com a Lei Áurea. Todo esse tempo não foi suficiente para interromper o contínuo processo de exclusão social de origem racista; herança de um país escravocrata. Naturalmente a comunidade negra estrangeira não está imune a esta realidade. São pessoas que chegam ao Brasil cheias de expectativas. Muitos com ensino superior e boa experiência profissional. Pouco a pouco vão conhecendo o preconceito velado tão característico de nosso país. Para este grupo de imigrantes as oportunidades oferecidas se limitam ao trabalho duro, em ambientes às vezes insalubres e com baixos salários. As dificuldades para validação de experiências educativas anteriores os distancia da universidade e como se não fosse muito, a ausência de uma política migratória urgente os deixa vulneráveis a discriminação racial, com tratamentos diferenciados em repartições públicas, pagamento desigual de salários, experiências desrespeitosas com insultos racistas no espaço de trabalho etc. Os problemas raciais vividos pela a comunidade negra estrangeira são a expressão nefasta de um racismo historicamente direcionado a toda comunidade negra brasileira. Não podemos nos calar diante disso. Hoje, nesse 13 de maio, honremos nossas conquistas, construídas pela força e a resistência dos negros do presente e do passado. Levantemos nossas vozes contra o racismo que afeta o cotidiano dos negros deste país (sejam brasileiros ou estrangeiros). Não nos deixemos abater ante a indiferença ou o posicionamento irracional dos que acreditam que existem lugares e papeis na sociedade definidos de acordo com a raça. Se denunciar o racismo implica força e resistência, é só parar por alguns poucos minutos e recordar o caminho que fizemos para chegar onde chegamos. Nada nos foi dado, tudo conquistamos através da força que nos é própria e que alimenta a nossa resistência. Mamede Silva. Negro, brasileiro, psicólogo, mestre em desenvolvimento humano pela Universidad Verracruzana e doutorando em estudos socioculturais pela Universidad Autónoma e Baja California, México. Atualmente pesquisa a migração haitiana ao Brasil depois do terremoto de 2010 no Haiti.

13 de Maio – Dia dos Pretos Velhos

Pretos Velhos são entidades de Umbanda, espíritos que se apresentam em corpo fluídico dos velhos Africanos que viveram nas senzalas, majoritariamente como escravos que morreram no tronco ou de velhice e que adoravam contar as histórias do tempo de cativeiro. São divindades purificadas de antigos escravos Africanos sábios, ternos e pacientes, dão o amor, a fé e a esperança aos seus filhos. Os Pretos Velhos na umbanda, estão associados aos ancestrais Africanos, assim como o caboclo está associado ao Índio e o baiano aos migrantes nordestinos. Os Pretos Velhos: os espíritos da humildade, sabedoria e paciência. Nos trabalhos espirituais da Umbanda os médiuns incorporam essas entidades que possuem níveis de evolução e arquétipos próprios. A linha dos Pretos Velhos inclui os tios as tias, pais e mães, avós e avôs, todos com a forma do idoso, do senhor de idade, do escravo. Sua forma idosa representa a sabedoria, o conhecimento, e a fé. Sua característica de EX-ESCRAVO passa a simplicidade, a humildade, a benevolência e a crença no "PODER MAIOR", no DIVINO. Na Umbanda os Pretos Velhos são homenageados no Dia 13 de Maio data que foi assinada a LEI ÁUREA, a abolição da escravatura no Brasil no ano de 1888. SALVE AOS ESCRAVOS NEGROS SALVE NOSSA AMADA UMBANDA. MÃE Indy d'OXUM formada em Teologia pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), membro do COMUNE Caxias (Conselho Municipal da Comunidade Negra), membro do SOI (Órgão Internacional dos Cultos Afro e Umbanda), membro do CONSELHO ESTADUAL DOS POVOS DE TERREIRO RS.

ESTATUTO DO MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO

Aprovado no II Congresso Nacional Extraordinário Rio de Janeiro, 29 a 31 /03/91 TÍTULO I O movimento e seus objetivos CAPÍTULO I ARTIGO 1º - A Entidade tem como denominação MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO – MNU. ARTIGO 2º - O Movimento Negro Unificado – MNU com sede e foro a rua ......................................... é uma entidade sem fins lucrativos, constituída pelo conjunto de seus filiados. ARTIGO 3º - A duração do MNU é indeterminada e sua dissolução só poderá ocorrer por aprovação do Congresso Nacional, especialmente convocado para tal fim, exigindo-se a presença de 2/3 (dois terços) dos filiados existentes à época de sua convocação. CAPÍTULO II Da definição e dos fins ARTIGO 4º - O MNU é uma entidade nacional de caráter político, democrática e autônoma, sem distinção de raça, sexo, instrução, convicções religiosas ou filosóficas. ARTIGO 5º - O MNU visa combater o racismo, o preconceito de cor e as práticas de discriminação racial, em todas as suas manifestações, buscando construir uma sociedade da qual sejam eliminadas todas as formas de exploração. ARTIGO 6º - O MNU manterá intercâmbio com organizações congêneres do Brasil e de outros países. TÍTULO II Dos membros – Seus Direitos e Deveres CAPÍTULO I Dos Membros ARTIGO 7º - Poderá ser membro do Movimento Negro Unificado toda e qualquer pessoa que esteja envolvida na luta contra o racismo e suas manifestações discriminatórias e preconceituosas desde que: a) esteja de acordo e assuma os pontos definidos nos documentos básicos: Programa de Ação, Estatuto, Carta de Princípios e Projeto Político. b) Comprometa-se a cumprir a orientação da Entidade, advinda de decisão coletiva. Parágrafo Único – A efetivação como membro do MNU dar-se-á no ato de assinatura da ficha de filiação. ARTIGO 8º - serão admitidas as seguintes formas de vinculação ao MNU: a) filiado b) simpatizante c) colaborador ARTIGO 9º - São simpatizantes aqueles que, embora não façam parte da Entidade, atuem em diferentes áreas sob a orientação do MNU. ARTIGO 10º - São colaboradores aqueles que proponham-se apenas à contribuir material, financeiramente e/ou através de assessoramento técnico de qualquer natureza. CAPÍTULO II Dos Direitos e Deveres de Todos os Membros ARTIGO 11º - São deveres dos filiados: a) conhecer e difundir os documentos básicos do MNU; b) recrutar novos membros; c) participar de forma efetiva para aumentar o nível de consciência da militância e da população negra; d) contribuir com as finanças do MNU através de cotizações mensais, previamente definidas; e) trabalhar para a implantação do Programa de ação do MNU; f) participar de um dos Grupos de Trabalho (GT) e/ou Núcleos de Base existentes; g) cumprir as decisões coletivas e determinações das instâncias do MNU. ARTIGO 12º - São direitos de todos os membros: a) votar e ser votado nos termos deste Estatuto para qualquer função diretiva ou organizativa do MNU; b) apresentar crítica ao trabalho de todas as instâncias do MNU; c) apresentar propostas de trabalho a todas as instâncias do MNU; d) defender-se das acusações ou imputações previstas no regimento Interno. CAPÍTULO III Da responsabilidade dos membros ARTIGO 13º - Os membros do MNU não assumem e nem respondem, mesmo subsidiariamente, pelas obrigações sociais e jurídicas assumidas pela entidade. TÍTULO III Da ordem econômica e financeira CAPÍTULO I Do patrimônio ARTIGO 14º - Constituem o Patrimônio do MNU: a) os bens móveis e imóveis, adquiridos ou que venham a ser adquiridos por transferência, cessão ou doação; b) os legados e doações, legalmente aceitas, com ou sem embargos. CAPÍTULO II Dos recursos financeiros ARTIGO 15º - Os recursos financeiros do MNU serão provenientes de: a) dotação que a qualquer título lhe seja destinada pela União, estado e Município, desde que não interfira na autonomia da entidade; b) doações ou contribuições de qualquer pessoa física ou jurídica, comprometida com os objetivos do MNU; c) contribuições de seus membros; d) renda de aplicações de seus numerários; e) rendas eventuais. Parágrafo Único – A Entidade ainda poderá explorar, sem objetivo de lucro e sem distribuir para os membros, o resultado da venda de livros, camisetas, cartazes e similares. CAPÍTULO III Do Exercício Social ARTIGO 16º - O exercício do MNU coincide com o ano civil. ARTIGO 17º - As despesas do MNU resultam de todos os atos exigidos na forma deste Estatuto para a manutenção da entidade e de suas promoções devidamente aprovadas em Assembléias. ARTIGO 18º - as contas deverão ser aprovadas anualmente em Assembléias Municipais, Estaduais e no Congresso Nacional da entidade. TÍTULO IV Da Estrutura Organizacional ARTIGO 19º - A estrutura organizacional do MNU compreende: a) Núcleos de Base (NB) b) Grupos de Trabalho (GT) e) Coordenação Municipal (CM) d) Coordenação Estadual (CE) e) Coordenação Nacional e Comissão Executiva Nacional (CON e CEN). ARTIGO 20º - As Assembléias Municipais, Assembléias Estaduais, os Encontros e Congressos Nacionais são os fóruns de deliberação da Entidade. CAPÍTULO I Núcleos de Base e Grupos de Trabalho ARTIGO 21º - Os Núcleos de Base são pontos avançados do MNU junto às categorias de trabalhadores, nas escolas, nos espaços artísticos e religiosos, nos locais de lazer e moradia. a) É função do Núcleo de Base implementar a política do MNU nas respectivas áreas de atuação. b) Os Núcleos de Base devem organizar-se de acordo com as particularidades da área onde estão inseridos, tendo como referência a linha de atuação do MNU e seus documentos básicos. e) Cada Núcleo de Base deverá ter no mínimo 3(três) membros e um representante em um dos Grupos de Trabalho. ARTIGO 22º - Os Grupos de Trabalho são órgãos de articulação, difusão e integração da ação dos Núcleos de Base. a) Cabe aos Grupos de Trabalho orientar a ação política dos Núcleos de Base. b) O Grupo de Trabalho é formado com o número mínimo de 3(três) membros. c) Cada Grupo de Trabalho elegerá um Coordenador, com mandato de l (um) ano de duração. d) O Grupo de Trabalho poderá constituir comissões de acordo com suas necessidades internas. a) O Grupo de Trabalho deverá realizar, a cada dois meses, plenárias que envolvam o conjunto da militância articulada nos Núcleos de Base. f) A existência do Grupo de Trabalho provém de sua capacidade de articular Núcleos de Base, se após um ano de sua constituição o GT não conseguir este objetivo devera ter sua continuidade avaliada em Assembléia Municipal. CAPÍTULO II Das Coordenações ARTIGO 23º - A Coordenação Municipal (CM) é o órgão responsável pela direção política do MNU no Município, bem como pela articulação e integração de suas atividades. § 1º - Sua existência só se justifica quando no Município hou¬ver mais de um Grupo de Trabalho. § 2º - A coordenação Municipal é composta por membros eleitos em Assembléia Municipa1, previamente convocada para este fim, com mandato de 2(dois) anos. § 3º - A Coordenação Municipal reúne-se uma vez por mês em caráter ordinário, e extraordinariamente quando se fizer necessário. § 4º - Os membros da Coordenação Municipal deverão ter no mínimo 6 (seis) meses de filiação ao MNU. ARTIGO 24º - A Coordenação Municipal é formada por: a) um Coordenador Municipal b) um Coordenador de Finanças c) um Coordenador de Organização d) um Coordenador de Imprensa e Comunicação e) um Coordenador de Formação Política f) um Coordenador de Cultura g) um Articulador de Base Parágrafo Único - Nos Municípios, com mais de um Grupo de Trabalho, onde o estágio de organização da entidade não comporta a estrutura prevista, a Coordenação Municipal poderá ser composta por um Coordenador Municipal, um Coordenador de Organização e um Coordenador de Finanças. ARTIGO 25° - Cabe à Coordenação Municipal: a) encaminhar a realização das decisões e tarefas aprovadas por maioria nas Assembléias Municipais; b) administrar e representar o MNU no Município, em juízo e fora dele; c)manter a articulação entre os Grupos de Trabalho, assim como promover a ampliação do MNU no Município; d) orientar politicamente os GTs e prover as condições para a forçando de novos Núcleos de Base e Grupos de Trabalho; e) executar e propor programas para a formação de militantes; f) administrar as finanças do MNU no Município; g) manter contatos, promover intercâmbio e participar de atividades conjuntas com outras entidades do movimento social; h) manter a organização de todos os registros necessários ao enca¬minhamento da entidade no Município; i) convocar as Assembléias Municipais Trimestrais; j) promover eventos de ordem política (palestras, cursos, seminários, etc), que elevem o nível de consciência da militância e da população negra em geral. ARTIGO 26º - A Coordenação Estadual (CE) é o órgão de de¬cisão política nos Estados, tendo como base as deliberações nacionais da entidade. § 1º - A Coordenação Estadual é composta de 3(três) membros eleitos em Assembléia Estadual, previamente convocada para este fim, pelo período de 2 (dois) anos. § 2º - A Coordenação Estadual é formado por 1(um) Coordenador Estadual, 1(um) Secretário e 1(um) Tesoureiro. § 3º - A Coordenação Estadual terá reuniões bimensais e abertas aos membros do MNU. § 4º - Os membros da Coordenação Estadual deverão ter, no mínimo, 9 (nove) meses de filiação ao MNLJ. ARTIGO 27º - Cabe à Coordenação Estadual: a) por em prática a nível estadual, a linha política do MNU estabelecida pelo Congresso Nacional; b) por em prática as decisões das Assembléias Estaduais; c) c) coordenar as atividades do MNU no Estado; d) administrar o MNU e representá-lo a nível estadual, em juízo ou fora dele, através do Coordenador, Secretário e Tesoureiro; e) elaborar um boletim bimensal e enviá-lo às Coordenações Muni¬cipais, aos GTs de todo Estado e para a Coordenação Nacional; f) promover Assembléias Estaduais semestrais ou de acordo com as necessidades do Estado; g) manter as demais Coordenações Municipais e Estaduais informa¬das das atividades do Estado correspondente; h) ampliar o MNU para os Municípios, assim como fortalecê-lo onde já existe. ARTIGO 28º - A Coordenação Nacional (CON) é o órgão máximo de direção nacional, cabendo-lhe o papel de deliberar e dar a. direção política para o MNU em conformidade com as diretrizes definidas pelo Congresso. § 1º - A Coordenação Nacional tem poder deliberativo, salvo nas matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional constantes deste Estatuto. § 2º - A Coordenação Nacional é composta por 17 (dezessete) membros eleitos em Congresso Nacional, com mandato de 02 (dois) anos. § 3º - A Coordenação Nacional terá reuniões quadrimensais. § 4º - Nas reuniões da Coordenação Nacional as decisões são tomadas por voto individual. § 5º - A Coordenação Nacional poderá formar Comissões com base na necessidade de desenvolver orientações gerais, que garantam o cumprimento do Programa de Ação e as decisões do Congresso. ARTIGO 29º - Compete à Coordenação Nacional: a) por em prática a linha política a nível nacional, estabelecida pelo Congresso Nacional; b) dirigir as atividades do MNU em todo o país, em termos políticos e organizativos; c) administrar o MNU e representá-lo a nível nacional e internacional. em juízo ou fora dele, através da Comissão Executiva Nacional; d) elaborar um boletim informativo de 4 em 4 meses e enviá-lo às instâncias organizativas do MNU; e) preparar e organizar os Encontros Nacionais; f) preparar e organizar os Congressos Nacionais. ARTIGO 30º - O Congresso Nacional elegerá entre os membros da CON, a comissão Executiva Nacional ( CEN), composta por cinco membros, a saber: a) Coordenador Nacional b) Coordenador de Formação Política e Organização c) Coordenador de Finanças d) Coordenador de Imprensa e Comunicação. e) Coordenador de Relações Internacionais Parágrafo Único - A Comissão Executiva Nacional reunir-se-á bimensalmente, e extraordinariamente, quando se fizer necessário. ARTIGO 31º - Compete ao Coordenador Nacional: a) representar a entidade, nacional e internacionalmente, em juízo e fora dele; b) fortalecer a organização política do MNU; c) articular a vinculação da luta específica com as reivindicações gerais do povo negro; d) zelar pelo fiel cumprimento das deliberações do Congresso; e) coordenar as atividades das demais Coordenações, procurando a confluência das atividades para o objetivo comum da organização. ARTIGO 32º - Compete ao Coordenador de Formação Política e Organização: a) analisar e interpretar as necessidades do povo negro, tornando-as bandeiras fundamentais de luta da organização; b) organizar, programar e projetar a formação dos militantes em to¬dos os níveis e em qualquer ponto do país; c) promover eventos de caráter nacional que visem o fortalecimento da consciência política racial dos militantes, tendo por base a realidade social, política, econômica e cultural do povo negro; d) organizar toda a documentação da entidade como cadastro de filiados, simpatizantes, colaboradores, GTs, NBs a fim de facilitar a programação de atividades; e) promover a realização de estudos que permitam definir a ótica da entidade sobre a real situação da população negra no país, e divulgar essas informações; f) definir as políticas da entidade em relação à mulher, aos adolescentes e às crianças negras. ARTIGO 33º - Compete ao Coordenador de Finanças a) administrar os recursos econômicos da entidade; b) elaborar bianualmente os planos e programas financeiros da enti¬dade e submeter à aprovação do Congresso Nacional; c) abrir, junto com o Coordenador de Formação Política e Organiza¬ção, contas bancárias, assim como decidir sobre as melhores formas de uso dos recursos financeiros; d) contatar e estabelecer relações de cooperação econômica com en¬tidades nacionais e internacionais, com vistas ao cumprimento dos objetivos da entidade; e) transferir experiências e assessorar os tesoureiros estaduais na elaboração dos planos e projetos financeiros; f) elaborar projetos financeiros específicos e providenciar sua tra¬mitação; g) centralizar todas as informações referentes ao Patrimônio da en¬tidade e submeter à aprovação do Congresso Nacional a destinação do mesmo em caso de dissolução do MNU. ARTIGO 34º - Compete ao Coordenador de Imprensa e Comunicação: a) elaborar o Jornal e qualquer outra publicação de caráter nacional; b) produzir vídeos, cartazes, slides, materiais audiovisuais que atendam às necessidades da organização em matéria de formação, educação, divulgação e propaganda. c) responder por escrito às manifestações públicas do racismo, veiculadas nos meios de comunicação, e na propaganda. ARTIGO 35º - Compete ao Coordenador de Relações Internacionais: a)manter intercâmbio permanente com organizações políticas, movimentos sociais e/ou culturais de outros países, voltados para a questão racial; b)procurar meios de estabelecer comunicação permanente e constante com os diversos grupos formados pelos negros na diáspora; c)criar condições que permitam uma vinculação estreita com o Continente Africano, conhecendo em profundidade a realidade vivi¬da na África, e criando laços de mútua solidariedade. CAPÍTULO III Dos Encontros e Congressos Nacionais ARTIGO 36º - Os Encontros Nacionais serão convocados para discussão e deliberação de questões que envolvam setores ou o conjunto dos filiados do MNU. Parágrafo Único – Os Encontros Nacionais serão convocados pela coordenação Nacional, pela Coordenação Executiva Nacional ou por 2/3 (dois terços) dos filiados. ARTIGO 37º - O Congresso Nacional é o órgão máximo de deliberação do MNU. a) O Congresso Nacional reúne-se, ordinariamente, de dois em dois anos, e, extraordinariamente, quando convocado por 2/3 (dois terços) dos filiados. b) Cabe a Coordenação Nacional decidir data, local e preparação do Congresso. c) Em circunstâncias excepcionais a Coordenação Nacional pode transferir a data de realização do Congresso. d) O Congresso Nacional é constituído por delegados a serem escolhidos em Assembléias Estaduais, de acordo com critérios definidos pela Coordenação Nacional. e) Os membros da Coordenação Nacional são delegados natos ao Congresso do MNU. ARTIGO 38º - Compete ao Congresso Nacional: a) definir a linha política do MNU; b) aprovar ou modificar os documentos básicos do MNU (Projeto Político, Estatuto, Programa de ação, Carta de Princípios) e Regimento Interno; c) fazer uma avaliação do MNU no período anterior; d) dissolver o MNU por consenso unânime dos delegados reunidos para este fim, desde que estejam presentes 2/3 (dois terços) dos filiados; e) eleger os membros da CON e da CEN; f) resolver os casos omissos deste Estatuto. TÍTULO V Das disposições Gerais CAPÍTULO I ARTIGO 39º - A eleição dos membros das Coordenações Nacional, Estadual e Municipal far-se-á mediante aclamação, se chapa única, ou por votação secreta em caso de apresentação de mais de uma chapa. Parágrafo Único – A composição final destas instâncias será proporcional ao número de votos obtidos pelas chapas concorrentes. CAPÍTULO II Da administração do MNU ARTIGO 40º - Os membros das Coordenações Nacional, Estadual e Municipal, terão poderes para, respectivamente, gerenciar e administrar o Movimento Negro Unificado – MNU à nível nacional, nos Estados e nos Municípios, cabendo-lhes: a) abrir conta bancária e emitir cheques de responsabilidade da entidade; b) alugar sede, bem como adquirir bens móveis e imóveis. ARTIGO 41º - Fica expressamente proibido aos dirigentes, bem como a qualquer outro membro, usar a denominação da Entidade em negócios estranhos aos seus objetivos, principalmente emissão de títulos, avais, finanças e endosso a favor de terceiros. Parágrafo Único – Fica ressalvado o direito de responsabilizar-se os dirigentes por atos lesivos ao patrimônio material e político, praticados em desacordo com o que estabelece o presente Estatuto. ARTIGO 42º - Aos representantes das Coordenações Nacional, Estadual, Municipal ou qualquer outro membro, não caberá retirada Pró-labore. ARTIGO 43º - A desistência, incapacidade, impedimento legal ou falecimento de qualquer dos membros das coordenações estaduais e Municipais não dissolverá a Entidade, cabendo ao fórum deliberativo respectivo a eleição de novo membro. Parágrafo Único – Quando se tratar de um dos membros da CEN, a CON, convocada para este fim, elegerá novo membro. ARTIGO 44º - Fica eleito o foro ..................................... para dirimir quaisquer outras questões de ordem jurídica. CAPÍTULO III Da destinação do Patrimônio ARTIGO 45º - Em caso de dissolução, o acervo patrimonial da Entidade deverá ser doado a uma entidade congênere. ------------------------------------------------------------------------------------ - FIM -

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