terça-feira, 22 de novembro de 2016

OS 36 ANOS DO MNU

Militante da luta racial em Porto Alegre nos anos 70, Helena Vitória analisa a trajetória do Movimento Negro Unificado – MNU organização que neste 18 de junho completa 36 anos IV Congresso do MNU – Encerramento. Oliveira Silveira falando pelo MNU do Rio Grande do Sul. Taboão da Serra. São Paulo, 3 a 5 de junho de 1983. (Foto: Ireno Jardim/Acervo Oliveira Silveira) História – Vamos situar, primeiramente, a expressão Movimento Negro. Compartilho com a definição de Joel Rufino dos Santos: “- (…) todas as entidades, de qualquer natureza, e todas as ações, de qualquer tempo, aí compreendidas mesmo aquelas que visavam à autodefesa física e cultural do negro, fundadas e promovidas por pretos e negros (…). Entidades religiosas como terreiros de candomblé, por exemplo, assistenciais como as confrarias coloniais, recreativas como ‘clubes de negros’, artísticas como os inúmeros grupos de dança, capoeira, teatro, poesia, culturais como os diversos “centros de pesquisa” e políticas como o Movimento Negro Unificado e ações de mobilização política, de protesto antidiscriminatório, de aquilombamento, de rebeldia armada, de movimentos artísticos, literários e ‘folclóricos’ – toda essa complexa dinâmica, ostensiva ou encoberta, extemporânea ou cotidiana, constitui movimento negro” Eu agregaria ainda as ações das irmandades negras, dos terreiros de batuque, e das escolas de samba, mesmo que em alguma delas, por vezes, ocorra preponderância do aspecto cultural. O entendimento é de que a expressão Movimento Negro abarque as manifestações de protesto ou afirmação negra, ocorridas desde os porões dos navios negreiros. O Unificado, possivelmente, foi o primeiro a marcar seu nome com a referida expressão. Meu ingresso no Grupo Palmares, fundado em Porto Alegre em 20 de julho de 1971, foi o início da construção de um quebra-cabeça interior que permanece comigo até hoje: ativismo na questão negra no Brasil. Entrei no Grupo em novembro de 1971 e a data 20 de novembro estava sendo lembrada pela primeira vez, como o ‘Dia da Consciência Negra’, no Clube Náutico Marcílio Dias, de saudosa memória. Iniciei minha participação na ocasião dessa primeira atividade pública do Palmares, vindo a conhecer, então, as propostas centrais que eram de revisão de aspectos da história do negro no Brasil e a necessidade de se discutir e divulgar fatos trazidos à tona pela nova historiografia. A caracterização do Grupo Palmares, pelos próprios integrantes, como um grupo de discussões estabelecia um limite para a ação militante, não ensejando o desenvolvimento de atividades sociopolíticas mais engajadas, tais como contestações coletivas de protesto, críticas ao caráter racista do sistema etc. A proximidade do Grupo Palmares com populações de outras inserções sociais, através de exposições, palestras e encontros, cumpria um papel informativo e poderia influir na afirmação da identidade negra. Mas ficava em aberto a contextualização conjuntural, ferramenta para despertar a consciência da questão negra no Brasil como questão estrutural. Outro aspecto polêmico era o culto a heróis, como o dirigente Zumbi. Nosso entendimento pessoal era de que a criação de heróis é uma característica do sistema, que é quem precisa de heróis. O trabalho desses líderes tem um enorme suporte coletivo que quase nunca aparece – na divulgação histórica dos valores humanos da República de Palmares o protagonismo de milhares de quilombolas tem que ser resgatado. À época, em vários estados do país o 20 de novembro recebia significativas programações. Por vezes Palmares ou mesmo Zumbi eram utilizados de maneira oportunista, chegando a levar ao esvaziamento do real significado da única tentativa, no Brasil colônia, de ser estabelecida uma sociedade democrática. Em resumo, o Grupo Palmares, de sólido ideário, com erudição e competência no quadro de seus integrantes, não se propunha a ser identificado como movimento político de mobilização negra evidenciando, na maior parte do tempo, uma face fundamentalmente cultural. Permaneci no Palmares até 1978, ano em que iniciei colaboração na imprensa negra através da comissão de redação do jornal Tição de Porto Alegre. O fato de o dia 20 de novembro se constituir hoje em feriado em diversas capitais do país é um exemplo evidente do trabalho de luta por espaço na memória nacional brasileira, decorrência das proposições do Grupo Palmares e do Movimento Negro Unificado, não necessariamente desenvolvido por ativistas vinculados a eles. No final da década de 1970, a crise econômica que se abate sobre o mundo começa a apresentar seus reflexos sobre o Brasil, que já vivia num tempo sombrio de ditadura: O decantado “Milagre Brasileiro” não aconteceu – o capitalismo brasileiro, com dificuldades de avançar o seu /projeto de expansão (desenvolvimento econômico), a inflação devorando o poder aquisitivo dos trabalhadores, os empregos desaparecendo, grandes movimentos sociais, manifestações em praças públicas, violência policial, as greves etc. Esse aumento das mobilizações teve como resultado o desenvolvimento da consciência da população oprimida. Criação do MNU E o MNU aparece nesse bojo, trazendo propostas às minhas indagações. Criado em 07 de julho de 78 (há 36 anos), em ato público com cerca de duas mil pessoas, em frente ao Teatro Municipal de São Paulo, se propunha a “…ser uma organização de lutas e denúncias em todos os campos onde haja opressão e perseguição do negro, ou seja, um órgão de forte representatividade da população negra em sua luta pela liberdade…”. O MNU ainda nesse ano, em sua segunda Assembleia Nacional, em Salvador, proclamava o 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. Processo de adesão: Os 36 anos de Movimento Negro Unificado – MNU O ato público foi realizado no dia 7 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal em São Paulo, reunindo cerca de 2 mil pessoas. Milton Barbosa realiza a leitura de Carta Aberta a População em ato público em repúdio à discriminação racial sofrida por quatro jovens no Clube de Regatas Tietê e em protesto à morte de Robson Silveira da Luz, trabalhador e pai de família negro, torturado até a morte no 44º Distrito de Guainases. (Foto: Divulgação) No Grupo Palmares minha participação foi, basicamente, de inauguração de militância e de reflexões pessoais. Quando surgiu o MNU, quando li a Carta de Princípios e o Programa de Ação, compreendi que ali estava boa parte da base conceitual e propositiva para minha atuação. A linha programática abrangia desde a luta contra o desemprego, pelo saneamento básico, pela criação de escolas autônomas nas comunidades, pela criação de teatros na periferia, pela defesa de posses de terras ou doações, até a organização do trabalhador rural, a liberdade sindical e o apoio à luta internacional contra o racismo, entre dezenas de outros itens não menos importantes nem menos urgentes. Na verdade, o MNU apresentava um perfil inédito na resistência negra brasileira, mercê o caráter sociopolítico evidenciadamente sindical de suas proposições. Comecei a participar dos congressos nacionais trazendo informações para as matérias do jornal Tição, canal que nos fez colocar o Movimento Negro Unificado na roda em Porto Alegre. Eu estava saindo do Palmares, mas o jornal Tição também tinha conquistado outros integrantes do Grupo – as coisas meio que se imbricavam. Passamos a incentivar a criação de outros núcleos do MNU abrangendo a Região Metropolitana de Porto Alegre, utilizando oficinas e debates e abrimos articulação com outros movimentos sociais como o dos colonos de Ronda Alta em 1981. Em março desse mesmo ano foi lançado o ‘Manifesto de Adesão do RS ao Movimento Negro Unificado’. Integrei a Comissão Executiva Nacional até o final da década. Com as proposições e basicamente as ações políticas do Movimento Negro Unificado houve uma modificação na forma de enfrentar o racismo e a discriminação racial no país. O Movimento propiciou uma mudança na luta das organizações negras, direcionando o produto das salas de debates e conferência, atividades lúdicas e esportivas, para ações de confronto aos atos de racismo e discriminação racial, elaboração de panfletos e jornais, realização de atos públicos e criação de núcleos organizados em associações recreativas, de moradores, categorias de trabalhadores, nas universidades públicas e privadas. Com esse diferencial, o MNU foi, na década de oitenta, a organização que realizou as maiores e mais importantes manifestações contra o Apartheid na África do Sul, embora não recebesse apoio político ou financeiro da Organização das Nações Unidas – ONU. No início dessa década o MNU – SP garantiu também, pela primeira vez a fala oficial no Brasil da Organização Para Libertação da Palestina – OLP. No final da década de 80, no VIII Encontro de Negros do Norte – Nordeste, foram definidas questões que balizaram a atual lei 10.639/03, que dispõe sobre o ensino da História da África e do Negro no Brasil. A constituição do MNU como foro privilegiado de debates sobre a discriminação racial refletiu-se na atitude do Estado em relação ao tema, culminando com a criação em 1984 do primeiro órgão público voltado para o apoio dos movimentos sociais afro-brasileiros: o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, no governo da cidade de São Paulo, que incentivou iniciativas semelhantes em outros estados. Partiu também do Movimento Negro Unificado a proposição de indicar um representante dos negros para a chamada Comissão Afonso Arinos, que criminalizou a discriminação racial na Constituição Brasileira de 1988. Em síntese, no árduo e longo processo de superação do racismo no Brasil, o MNU esteve presente nas manifestações contra o regime de apartheid da África do Sul, pela derrubada da ditadura e por eleições livres no Brasil, no “Fora Collor”, na Construção da CUT, na Constituinte, emplacando bandeiras pelo reconhecimento das terras quilombolas, e pela inclusão da história do negro nos currículos escolares. Foi perseguido pela repressão e por governos ditos “democráticos”, com detenção e com demissões de militantes sindicais. O MNU continua sendo tema de artigos, teses e livros. Organização Enquanto no centro do país, na esfera política, a principal questão colocada pelo Movimento Negro Unificado era o enfrentamento de pressupostos basilares da ideologia e da ditadura militar, principalmente os de cultura e integração nacional e de questões internacionais sobre o racismo, aqui no sul a militância interagia em seu próprio entorno. Além do mais, em muitos momentos o Movimento demonstrava fragilidades em relação à sua unidade. Sendo uma organização federativa, o Unificado necessitava difundir aos núcleos estaduais instruções normativas no entendimento de que, para se ter uma sólida formação na militância, era preciso conhecer o que era o movimento, como surgiu, quais eram seus objetivos e como se organizava. Os filiados, em todo o país, deveriam assumir os documentos básicos da organização, aprovados nas assembleias nacionais: Estatuto, Programa de Ação, Carta de Princípios e Regimento Interno, cumprindo orientação advinda de decisão coletiva. No entanto as práticas e as alternativas de organização dos grupos do sul não se encaixavam no dossiê de normativas nacionais. A história de formação e a realidade concreta por eles vivida não lograva espaço para se expressar nos encontros nacionais e, por vezes, nem havia condições objetivas de se fazerem representar nessas assembleias. Defendíamos em contrapartida à cópia do caminho oficialista e à rigidez do método organizativo, uma estrutura negra que pudesse ser reconhecida enquanto tal, baseada em nossas lutas cotidianas locais e sensível a um aprendizado com as diferentes formas de resistência que nossos antepassados sempre souberam criar com sabedoria, surgidas de baixo para cima, se concretizando horizontalmente com trocas, reavaliações, retomada de erros e opiniões. Todavia, os grupos, ao invés de construírem um movimento de oposição à ideologia dominante, criando assim suas bases político-culturais de combate não apenas ao racismo, mas também ao capitalismo, assumiam, quase sempre, a forma da polarização-oposição. Desse modo a extrema preocupação com normativas deixava abertura para manipulações pelo sistema vigente e suas instituições tais como os partidos políticos. É importante observar que, a partir de 1979, tomou proporção a expectativa de obtenção de poder, pelos negros, no cenário político brasileiro, a partir dos partidos. O movimento negro organizado vislumbrava a chance real de conquista de poder, já que o negro constituiu a base social onde ocorreu a formação inicial de alguns partidos. Aqui no sul, alianças, negociações e regulamentações passaram a fazer parte desse jogo de acesso ao poder disponibilizado pelos partidos para os negros, sem que tenha ocorrido a necessária averiguação de até que ponto o discurso de partidos originários das bases sociais é realizado na prática, quando o tema é a democratização de poder incluindo negros. Isso veio a impedir o desenvolvimento harmônico e consensual do trabalho, reforçou atitudes individualistas, ascensionistas e competitivas, dividindo os núcleos do MNU. A complexidade da tarefa do Movimento Negro Unificado continua extrapolando a dimensão que imaginamos, em razão de que sua luta é externa, contra um sistema baseado em desigualdades sociais e étnicas, mas também é interna, buscando estabelecer uma unidade independente, solidária e coesa frente à sociedade brasileira. Por Helena Vitória dos Santos Machado, arquiteta especialista lato sensu em ‘Sociedade, Cultura e Política na América Latina’ Fonte: Mamapress Leia a matéria completa em: Processo de adesão: Os 36 anos de Movimento Negro Unificado – MNU - Geledéshttp://www.geledes.org.br/processo-de-adesao-os-36-anos-de-movimento-negro-unificado-mnu/#ixzz4AwezQy00

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